O jesuíta Antonio Vieira
(1608-1697) foi um pregador magistral, à frente de seu tempo e mergulhado
nele. Ao ver a tragédia da violência urbana, que no meu Rio de Janeiro
mata mãe e filha e atinge grávida prestes a dar à luz, ferindo gravemente o bebê,
suspeito que o banditismo cotidiano é também inspirado pelo oficial, praticado
nos palácios do poder.
Mesmo fora dessa monstruosa
letalidade, o punguista da esquina certamente tem alguma informação sobre o
roubo continuado dos recursos públicos por parte de quem devia dos
engravatados. É provável que saiba, por exemplo, que o ex-poderoso e falastrão
Sérgio Cabral, manda-chuva fluminense por quase uma década, está na cadeia, e
dali não sairá tão cedo. “Se eles, ricos, afanam, por que não eu, que mais
preciso?”, deve pensar...
Pois Vieira, em 1655, pregou
numa igreja de Lisboa o seu “Sermão do Bom Ladrão”. Falou de Alexandre, O
Grande, com sua poderosa armada a conquistar a Índia. O soberano repreendeu um
pirata que roubava pescadores, levado à sua presença. Mas o pirata, que, diz
Vieira, “não era medroso nem lerdo”, reagiu: “Basta, senhor, que eu, porque
roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois
imperador?”. Vieira conclui, atualíssimo: “o roubar pouco é culpa, o
roubar muito é grandeza. O roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com
muito, os Alexandres...”.
Esta situação, que se repete
mais de três séculos e meio depois, não é uma condenação às sociedades humanas.
Os valores republicanos da transparência e da moralidade pública existem, e há
crescente cobrança popular para que sejam de fato praticados, no Brasil e em
muitos outros países. Já há legislação, aqui e alhures, para que a corrupção
seja contida. Muitas vezes burlada, é verdade. Inclusive por quem devia fazer Justiça.
Mas, além do combate
sistêmico, a partir da constituição de estruturas cada vez mais transparentes e
socialmente controladas, há também uma imprescindível postura individual (e
compartilhada) dos agentes públicos. A estes se impõe austeridade pessoal e
missão de serviço, de dedicação, sem ambições patrimonialistas.
Outro jesuíta, o papa
Francisco, igualmente admirável, fez recentemente, em encontro com lideranças
de movimentos populares, o que eu chamaria de “Sermão do Bom Político”. É uma
exortação a todo mundo que está na vida pública: “a qualquer pessoa que tenha
apego demais às coisas materiais, aos que gostam de dinheiro, de banquetes
exuberantes, de mansões suntuosas, de trajes refinados, de automóveis de luxo,
eu aconselharia que examinem o que está se passando em seu coração e que rezem
para que Deus os livre dessas ataduras.
Quem tem afeição por todas essas
coisas, por favor, não se meta em política. Não entre no seminário também!”.
Pepe Mujica, de nuestra America como Francisco, que estava nesse encontro, já
tinha dito algo semelhante: “quem quer ganhar dinheiro que tente na
indústria, no comércio. Não na política”.
Assim seja!
Por: Chico Alencar
é professor de História (UFRJ), escritor e deputado federal (PSOL/RJ).
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