Em seu sexto mandato de
deputada federal, Luiza Erundina (PSOL-SP), 84, é a parlamentar mais velha do
Congresso, mas mostra o ânimo de quem está começando. Ela acaba de se recuperar
de uma queda logo após a posse. Fraturou uma vértebra na região lombar, passou
por cirurgia e está fazendo fisioterapia.
O processo de recuperação em
São Paulo não a impediu de manter longas reuniões com líderes dos movimentos
sociais em seu escritório político no Jabaquara, na zona sul, bairro onde mora
desde que foi a primeira mulher prefeita de São Paulo (1989-1993), então pelo
PT.
Sem filhos para criar,
Erundina se casou muito jovem com a política ao sair de Uiraúna, no alto sertão
da Paraíba, a 500 km de João Pessoa. Foi uma das fundadoras do PT, partido que
deixou com muita tristeza, ao aceitar o convite para ser ministra de Itamar
Franco (1992-1994).
Reeleita no ano passado com
176 mil votos, viu muitas caras novas na Câmara, mas diz não acreditar nesta
história de “nova política”.
“Isso é uma coisa que não
corresponde à realidade. São os filhos, netos, sobrinhos, apaniguados dos
caciques da política tradicional, na sua expressão mais perversa, de fechamento
da possibilidade de exercício do poder pelos líderes populares”, diz Erundina
em entrevista à Folha. Acredita que a cena política é um caos e as instituições
democráticas correm risco.
Como
a sra. se sente sendo a parlamentar mais velha no meio de tantas caras novas de
deputados em primeiro mandato, na onda conservadora que varreu o país em 2018?
Esse é apenas mais um fator
de preconceito. Eu sempre disse, sou nordestina, mulher, humilde, do PT, só
faltava eu ser negra... E agora sou a mais idosa. É um sinal de que a sociedade
não evoluiu nem está pronta para enfrentar essa realidade.
Alguém como você, e eu
também, nós temos uma atividade intelectual, uma perspectiva de futuro, de
mudança, temos uma utopia, temos sonhos. Acreditamos que é possível mudar, e é
isso que nos mantém jovens.
Fala-se
muito em “nova política”, um contraponto ao que seria a velha política
derrotada nas urnas. O que mudou?
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQAh9wA-NdMatseUB7jaHSGY3H3IgZoCBsA7g6tEQvYEmFWHAoun4UQ1wcyq3aqybxvtRalvRK5R7leKFjIUwwiKg4vhF2ay5blAC_G7RpMI5s58r4uCqtzWT4fRcQb0bTl-SYFGmJZYU/s400/erundina620.jpg)
Na época em que havia
gestões mais democráticas, com participação direta da sociedade, dos movimentos
sociais, muitos de nós viemos desse processo, e isso não existe mais. Por isso
muitos estranham o fato de eu me reeleger, mantendo os meus princípios, os
mesmos que adoto desde o meu primeiro partido, que foi o PT. Eu costumo dizer
que não saí do PT, o PT que saiu de mim, o PT das origens, que me cativou.
Como
a sra. vê o futuro dos partidos?
Com essa substituição por
novos quadros a serviço do que tem de pior na vida política brasileira, no
fundamentalismo religioso, moral, a perda do caráter laico do Estado. As
bancadas hoje são mais ligadas a determinados interesses, que não a República,
a sociedade. As bancadas temáticas, Bíblia, boi e bala, que chamam de BBB, são
mais poderosas e determinam mais do que os partidos.
Nessas primeiras semanas,
está dando a impressão de que não há mais na Câmara líderes nem do governo nem
da oposição, é tudo um grande balaio de gatos perdidos... Lamentavelmente, há
uma carência de lideranças que possam canalizar sua atuação no sentido de
política como coletivo, construindo projetos políticos. Isso realmente está
escasso, dos dois lados.
Contribuiu muito o fato de
as forças que estão no poder também não terem uma identidade, não representarem
coisa nenhuma, não terem projeto algum. A oposição, por sua vez, não tem um
foco, está um vazio na política, ninguém acredita mais na política. Ninguém
acredita em ninguém. Por isso, é esse caos: não existe sociedade no mundo,
qualquer que seja o sistema, sem a política como exercício do poder. É muito
triste tudo isso.
Estamos
vivendo o final de um ciclo histórico?
Exatamente. Mas entre um ciclo e outro há uma
transição vazia, escura. Temos um ciclo que não terminou ainda, está
estrebuchando, porém ainda não está claro como será o novo. Eu me lembro, 30,
40 anos atrás, o sentido da política para a juventude era uma condição de
realização, de felicidade.
A esquerda só se unificará
um dia se houver um projeto de nação, a partir do qual as forças políticas
desse campo se juntem. Democracia é [algo] muito abstrato, muito genérico. De
que democracia nós estamos falando?
Pelos
últimos acontecimentos, a sra. acha que nesse momento a democracia está
ameaçada?
Sim, sem dúvida nenhuma, eu
acho. Essa perseguição a quem pensa diferente, essa intolerância a qualquer
crítica. Até um espaço natural para se construir a democracia que é a escola, a
educação, está ameaçada. Com essa história de Escola sem Partido. O que mais me
impressiona é o tempo muito curto para uma mudança tão radical, tão rápida.
Como
foi que isso começou?
Eu localizo esse início de caos naquelas
jornadas de 2013, com a televisão convocando a população a ir à ruas, ao
contrário da campanha das Diretas, quando a imprensa escondia o movimento.
Era uma massa informe
negando a política, a organização social, sem uma pauta clara, sem liderança,
sem objetivo, sem nada. E as instituições não foram capazes de perceber o
significado daquelas manifestações. A Dilma inventou umas medidas para
responder, o Legislativo desengavetou algumas propostas, e não restou nada.
A eleição de 2014 já foi
aquela coisa horrível. Depois vem o impeachment, em 2016, o desgoverno Temer e,
por fim, a prisão do Lula. Nós perdemos todos os direitos trabalhistas, o
sistema de seguridade social, dois anos de um governo ilegítimo, rejeitado por
quase 100% da população.
É
possível governar sem uma aliança com os grandes partidos, sem o toma lá dá cá,
como o presidente Bolsonaro prometeu na campanha?
O próprio governo de
coalizão supõe isso. Não significa que necessariamente haja toma lá dá cá, mas
um governo de coalizão com várias forças políticas. Quando se nega isso, é
porque não querem governar com participação de força nenhuma. É o governo do
partido único, de ideias únicas.
Se não há boas relações
entre os Poderes Executivo e o Legislativo, o risco de retrocesso institucional
se coloca muito fortemente. O pior é que o outro poder, que é o Judiciário,
também está perdido, desestruturado, sem identidade. No momento da crise, ele
não sabe o que faz. Poderia ser a força mediadora para estabelecer um ambiente
de diálogo, e isso hoje não existe. Ninguém faz essa mediação.
E
quem poderia fazer? O quarto poder?
O problema da mídia
convencional é que também virou um partido, e esse sim tem um projeto. Qualquer
governante, qualquer sistema que esteja aí, eles querem garantir os seus
interesses como um dos poderes. Com a composição desse governo, tanto general
lá dentro, o vice querendo mostrar que ele é a alternativa, querendo se
credenciar como quem diz “olha, eu sou diferente...”, fica tudo muito difícil.
Diante
desse quadro, o que dá para a sra. fazer no teu sexto mandato consecutivo?
Sexto e último, que já está
bom... Já estou fazendo hora extra na política brasileira. O que me move é ter
esperança, como ensinava Murilo Mendes: 'Ter sempre a esperança porque, de
repente, aquilo que você espera acontece'.
É esse o movimento da
história. A Hannah Arendt tinha razão quando ela dizia que a política é uma
ação coletiva, que nos dá força e perseverança para continuar acreditando,
apesar de tudo. Eu acredito nisso. Se eu penso na minha origem, de onde eu vim,
as condições em que minha geração viveu, ter chegado aqui não foi por mérito
pessoal, eu jamais imaginei.
Eu via no estudo um
instrumento para mudar a realidade, e isso foi acontecendo, a vida toda, junto
com muita gente. Nós não somos nada individualmente. É essa força que a gente
tem dentro que nos anima.
Por: Luiza
Erundina de Sousa, Deputada Federal do PSOL. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br
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