Eu tomei a decisão de me
entregar porque não seria correto, um homem na minha idade, um homem com a
construção da história construída junto com vocês, pudesse aparecer na capa dos
jornais e na televisão como fugitivo.
Como eu tinha clareza das
inverdades contadas sobre mim. Eu então tomei a decisão de provar a minha
inocência dentro da sede da Polícia Federal, perto do juiz [Sergio] Moro.
Antes de eu ir, nós tínhamos
escrito um livro. Eu fui a pessoa que dei a palavra final no título do livro,
que é A Verdade Vencerá. Eu tinha tanta confiança e tanta consciência do que
estava acontecendo no Brasil, que eu tinha certeza de que esse dia chegaria. E
ele chegou.
Queria dizer para vocês que
eu nasci politicamente nesse sindicato. Em 1969, eu virei delegado de base
desse sindicato, trabalhando na Villares. Em 1972, eu virei primeiro
secretário, e cuidava da previdência social. Na verdade, eu cuidava dos
velhinhos aqui. Em 1975, eu virei presidente. Em 1978, nós fizemos as primeiras
greves desde as greves de Osasco e de Contagem, em 1968. E depois vocês já
conhecem a história. Veio a criação de muitos dos movimentos que estão aqui, e
eu participei de quase todos eles.
E o movimento mais
importante foi a minha tomada de consciência de que, através do sindicato, eu
não iria conseguir resolver os problemas do país. Eu poderia, no máximo,
conseguir alguma conquista dentro da fábrica, mas era uma luta muito
economicista. É aquela que você ganha uma hoje, e perde amanhã com a inflação.
É aquela que você pensa que está ganhando, e daqui a pouco a empresa fecha,
como fechou a Ford aqui, sem prestar contas a ninguém.
Então, resolvi que era
necessário entrar na política e construir uma consciência política no país. Eu
digo sempre que eu sou, na política, um resultado da consciência política da
classe trabalhadora brasileira. Na hora que ela evoluiu, eu evoluí. E eu acho
que isso justifica o convite que eu fiz a vocês para estarem aqui.
Porque todas as pessoas que
foram convidadas para estarem aqui foram as pessoas que estavam aqui para ir
para a Polícia Federal, e foram as pessoas que acreditavam antes, e continuaram
acreditando na minha inocência, e por isso eu fiz questão de convidar vocês
aqui. Falta, obviamente, um coordenador ou uma coordenadora da Vigília de
Curitiba, que foi uma das coisas mais extraordinárias que aconteceram na minha
vida.
Quando resolvi marcar essa
entrevista, muita gente ficou preocupada com o meu humor. "Como é que o
Lula vai estar? Ele vai estar bravo? Ele vai estar xingando alguém? Ele vai
falar palavras de esperança?".
E, às vezes, eu me sentia
como a história de um escravo que eu li num livro. O escravo foi condenado a
tomar 100 chibatadas. Depois que o cara da chibata deu 98, chegou pra ele e
falou: "eu vou parar de dar chibatada se você agradecer ao seu dono. Se
você agradecer ao seu dono, eu não dou mais as duas que faltam." E o cara
falou: "como é que eu vou agradecer? Eu já estou todo arrebentado. Por que
eu vou parar? Me dê as outras duas."
Então, se tem um cidadão que
tem razão de estar magoado com as chibatadas, sou eu. Não estou. As pessoas
pensam que depois de dar chibatadas, joga um pouco de sal e pimenta e a pessoa
vai se curar ao longo do tempo. Não importa as cicatrizes que ficam nas
pessoas.
Eu sei que fui vítima da
maior mentira jurídica contada em 500 anos de história. E que a minha mulher, a
Marisa, morreu por conta da pressão, e o AVC [Acidente Vascular Cerebral] se
apressou.
Eu fui proibido até de
visitar o meu irmão dentro de um caixão, porque tomaram uma decisão que queria
que eu visse para São Paulo, que eu fosse para o quartel do 2º Exército, no
Ibirapuera, e meu irmão, dentro do caixão, fosse me visitar. E ainda disseram
que não podia ter nenhuma fotografia.
Então, se tem um brasileiro
que tem razão de ter muitas e profundas mágoas, sou eu. Mas não tenho.
Sinceramente, eu não tenho porque o sofrimento que o povo brasileiro está
passando, o sofrimento que as pessoas pobres estão passando neste país é
infinitamente maior do que qualquer crime que cometeram contra mim. É maior do
que cada dor que eu sentia quando estava preso na Polícia Federal.
Porque não tem dor maior
para um homem e mulher em qualquer país do mundo do que levantar de manhã, e
não ter a certeza de um café e um pãozinho com manteiga pra tomar. Não tem dor
maior para um ser humano do que ele chegar na hora do almoço, e não ter um prato
de feijão com farinha para dar pro seu filho. Não tem nada pior do que o
cidadão saber que ele está desempregado, e que, no final do mês, ele não vai
ter o salário para sustentar a sua família.
Nenhum comentário:
Postar um comentário