Para piorar, desde que a
irracionalidade sistêmica imperante (ou racionalidade intencional e mórbida) do
governo Bolsonaro, na qual a lógica é de um “Estado falhado” ou “suicidário” é
admitida pela ordem institucional estabelecida (em seus Três Poderes), e a
evolução técnica preventiva à saúde e à vida, seja da engenharia ou da medicina
do trabalho, foi descaracterizada, permitindo-se se impor à população (especialmente
à trabalhadora), como um determinante propositalmente calculado, a tétrica
disputa até por oxigênio, a sôfrega necessidade para respirar se tornou
imperativo vital na tortura consumada pela falta de ar orquestrada pelo atual
governo. O suplício é tão mortal que a dor pelo desemprego, pela miséria, até
mesmo a fome, nessa condição, se tornou um mal menor.
Uma disputa que tem na
morbidade, na letalidade a corrida, muitas delas fatais e sem fim, por vaga em
uma unidade móvel de emergência, numa UTI, num respirador... até chegar à
fúnebre disputa nas filas e vagas do necrotério, do rabecão, da funerária, de
um cemitério, de uma cova... ou de uma vala comum. Por incrível que pareça,
isto não é só a representação de um momento áureo das mais estranhas contradições
sistêmicas capitalistas, mas, sim, da intensificação de outras dimensões de
suas possibilidades, na qual a EC 95/16 é um de seus excretores.
No caso do Brasil, as
hipóteses de diagnósticos possíveis dessa realidade ou cenário, algumas delas,
ou melhor, muitas, foram identificadas e delas desencadeadas deliberações e
medidas milimetricamente ajustadas e equacionadas a obstar ao máximo qualquer
contraditório – do qual o sindicalismo é estrutura e estruturante – que
represente o enfrentamento ao capital.
O que queremos dizer com isso
é que as leis, por aqui – via de regra, principalmente a partir de 2016, mas
não só desde aí, forjicadas pelo executivo e buriladas pelo legislativo –, em
detrimento dos direitos fundamentais previstos na Constituição, estão sendo
aprovadas sob essa perspectiva e o judiciário, em suas cortes superiores, tem
se demonstrado um guardião supremo de todos os ritos que a sacrificam aos
deuses do mercado.
Uma série de violações a
princípios fundamentais de sobrevivência e civilidade tiveram sua legitimação
regulamentada:
- Nas leis 13.429/17 – terceirização
irrestrita; e 13.467/17 – reforma trabalhista, na qual a degradação das
condições e proteção social do trabalho é bem simbolizada no contrato zero
hora, que aqui usa a máscara do trabalho intermitente e cria uma série de
óbices ao sindicalismo; desde a ruptura da autonomia das assembleias até a
violação impeditiva às formas de arrecadação para a ação sindical laboral;
- Nas
leis 13.844/19 (MP 870/19) – estruturação ministerial que extinguiu o
Ministério do Trabalho e da Previdência. Ato simbólico da interdição do diálogo
do executivo federal com as classes trabalhadoras. Cessar, calar a voz do
trabalhador e da trabalhadora; 13.846/19 (MP 871/19) – que sob o pretexto de
combater a fraude na previdência praticamente restringiu o acesso ao benefício
acidentário e/ou auxílio doença e promoveu intensamente a cessação de
benefícios de mesma natureza. Pode-se afirmar que essa MP foi o balão de ensaio
da PEC 06/2019 – reforma da Previdência;
- A lei
13874/19 – derivada MP 881/19, apelidada como a MP da liberdade econômica e
minirreforma trabalhista, que, dentre outros pontos adversos ao trabalhador, ao
desobrigar o controle de ponto em empresas com até 20 empregados, afeta o
controle de jornada, intervalos intrajornada e hora extra..., dando carta
branca aos patrões para ampliar acordos individuais nesse sentido;
- A
Emenda Constitucional 103/19 (PEC 06/2019) – reforma da Previdência, que, em
meio a seus ataques aos direitos previdenciários, praticamente descaracterizou
a aposentadoria por condição especial de trabalho onde a insalubridade e o
periculoso permanece sem controle e mantêm a doença, a mutilação e morte como
um espectro normatizado imposto e administrado pelos Três Poderes às classes
trabalhadoras.
Trata-se de uma série de violações que por ser
admitida pela maioria dos agentes públicos (políticos, parlamentares e juízes),
face à habitualidade criminal dos setores econômicos e empresariais, foi
constituída num costume patronal e virou um conjunto criminal incomensurável de
ilícitos permitidos e amparados em nova ordem legal, haja vista a impunidade
que grassa nas altas castas das elites representadas e alçadas às cúpulas do
Estado, muito bem nutridas por uma espécie de conluio superior desmedido,
exercendo suas atividades em instalações regiamente protegidas, confortáveis e
climatizadas, em Brasília, na praça dos Três Poderes da República.
Num momento em que o corpo e o espírito
(cérebro, músculos, carne, ossos e sangue) das classes trabalhadoras já estão
comprometidos, centenas de milhares em decomposição, levando a população
mundial e, principalmente a brasileira ao desespero, para um estado mórbido
incontrolável e ascendente, o amparo estatal pode ser, e é, quando existe, um
signo de inflexão ao flagelo nacional e planetário.
Todavia, por má fé e/ou chantagem escancarada
nas ações das cúpulas do executivo e do legislativo para aprovar um auxílio
emergencial que só pode ser restabelecido, mesmo em patamares rebaixados e mais
desumanizados, se for imposta uma série de gatilhos acionados e em mira (do
arrocho fiscal) dirigida exclusivamente ao povo brasileiro. É isso o que se
propõe com a dita PEC emergencial (PEC 186/19), pois impõe medidas drásticas e
severamente destrutivas ao atendimento público, principalmente aos hospitais e
escolas, ao desvalorizar os servidores públicos, já duramente explorados, mesmo
sendo trabalhadores de atividades essenciais, como é o caso dos profissionais
da saúde, da educação, da limpeza urbana, por exemplo, além de comprometer
inúmeras outras atividades e políticas de assistência social.
Notadamente, principalmente a depender só dos
Três Poderes instalados na Capital Federal, caso prevaleça essa chantagem em
instituição, a penumbra pestilenta e letal, a dor e o sofrimento, irão se impor
mais ainda. Demonstram, cinicamente, que um tratamento social igualitário, no
qual a proteção social é revitalizada e impeditiva à degradação do corpo
social, jamais deve ser e ter o braço protetivo do Estado, principalmente aos
desamparados e desvalidos.
Por outro lado, aos detentores
do capital e do lucro, a solidariedade estatal, uma das pedras de toque para o
socialismo, torna-se a máxima sagrada deles, dos capitalistas, especialmente os
detentores de capital improdutivo.
As grandes fortunas da população mais rica
(1%), seus lucros e dividendos permanecem intactos e com taxação ínfima, quando
existente. Pessoas físicas milionárias/bilionárias protegidas numa espécie
especial de paraíso fiscal particular onde os patamares de alíquotas sobre
impostos patrimoniais, além de irrisórios e desproporcionais, se são acionados
a cumpri-los, um manto protetivo os encobre com refis sucessivas, quase
hereditárias, altamente oligárquicas. Como se não bastasse essa condição
paradisíaca, as dívidas bilionárias das grandes empresas são mantidas a partir
da inoperância do combate à sonegação fiscal vivenciado no país, que, mais uma
vez destacamos, é oferecido solidariamente a 1% da população em detrimento da
exploração, da miséria, da fome, da doença ou da morte dos outros 99% dos
brasileiros.
No cenário futuro, se é que
devemos preocupar somente com ele nesse instante, a depender da legislação
instituída desde a era Temer, que ressoa em contágio destrutivo nesses dias de
morbidade e letalidade hodierna, o trabalhador está e estará à mercê desse
sacrifício, da exploração e da precariedade, seja na dimensão do direito ou do
ambiente do trabalho.
Se concordamos com Lenin e
admitirmos que a verdade é revolucionária, que ela impõe sobre a razão o peso
das fatalidades, negá-la, nesse momento, significa permanecer escondendo os
corpos e omitindo um número sem fim de mortes e degradação física e mental de
toda uma nação.
A suspensão da EC 95 é uma das
vitais prioridades para salvar o povo brasileiro. O teto de gastos se tornou um
gatilho disparado e certeiro nas áreas sociais, consequentemente com a pandemia
isso ficou em evidencia e a cada dia acerta e mata milhares de pessoas. Cessar
qualquer discussão derivada de sua sustentação como regra fiscal no país, é
vital para que possamos superar e atravessar essa penumbra pestilenta que
encobre o país. Suspender os efeitos da EC 95, assim como “vacina já e para
todos”, devem ser as palavras de ordem a serem defendidas.
Por: José
Reginaldo Inácio é Presidente da Nova Central Sindical de Trabalhadores e
Diretor de Estudos e Pesquisas do Observatório Sindical Brasileiro Clodesmidt
Riani – OSBCR.
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