Em seu primeiro
pronunciamento ao povo brasileiro, após a decisão do ministro Edson Fachin, do
Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou as condenações impostas pela 13ª
vara Federal de Curitiba na Operação Lava Jato, o ex-presidente Lula disse
estar tranquilo e sereno porque, após cinco anos, “a verdade apareceu”,
criticou a gestão de Jair Bolsonaro no combate a pandemia do novo coronavírus e
se solidarizou com às famílias das quase 270 mil vítimas da Covid-19.
Durante o pronunciamento
nesta quarta-feira (10), na sede Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC), em
São Bernardo do Campo, de onde saiu para a cela da sede da Polícia Federal, no
Paraná, em 2018, após ser condenado sem crime e sem provas pelo ex-juiz Sérgio
Moro, Lula também falou sobre o voto do ministro Gilmar Mendes, no julgamento
do processo sobre a suspeição de Moro, declarando a parcialidade do ex-juiz nas
sentenças contra ele, que resultaram em sua prisão.
Para Lula, o STF finalmente
reconheceu que ele foi vítima de uma farsa e que não teve um julgamento justo.
“Eu tinha tanta confiança e consciência do que estava acontecendo que tinha
certeza que esse dia ia chegar. E chegou” disse o ex-presidente.
Disse ter ficado satisfeito
com a decisão “Foi um dia gratificante. Fachin cumpriu algo que reivindicamos
desde 2016. A gente cansou de dizer”. Para o ex-presidente, a inclusão da
Petrobras nas acusações feitas contra ele foi a forma que os procuradores da
Lava Jata e o ex-juiz Moro acharam para concluir a obsessão de criminaliza-lo.
Após lembrar dos fatídicos
dias da decretação de sua prisão por Moro e a decisão de se entregar à Polícia
Federal para provar sua inocência não sendo um fugitivo, como ele cita, e
contar com a solidariedade de milhares de pessoas que, para defender Lula,
tomaram a sede do sindicato, o ex-presidente se declarou uma pessoa sem mágoas.
”Se tem um cidadão que tem
razão de estar magoado sou eu. Mas não estou”. Lula minimizou seu sofrimento
durante todo o período em que foi massacrado pela mídia e humilhado por agentes
públicos como os procuradores da força-tarefa da Lava Jato e pelo próprio
Sérgio Moro ao citar a realidade de milhões de brasileiros.
“Sinceramente, não tenho
mágoa porque o sofrimento que o povo brasileiro está passando é infinitamente
maior do que qualquer crime que cometeram contra mim e do que cada dor que eu
sentia quando estava preso”, e citou o estado de vulnerabilidade e miséria de
milhões de brasileiros impactados pela crise econômica do país, agora
aprofundada pela pandemia do novo coronavírus. Homens e mulheres, ele diz, que
levantam e “não tem um pão para comer e um café para tomar”
Para Lula, não há dor maior
do que chegar na hora do almoço e não ter um prato de feijão com farinha para
os filhos ou estar desempregado e no fim do mês não ter salário para sustentar
a família. “Essa dor que a sociedade sente agora me faz dizer que a dor que
sinto não é nada diante da dor de milhões de brasileiros e é muito menor do que
a dor de 270 mil pessoas que viram a morte de seus entes queridos por causa da
Covid-19 e sequer puderam se despedir”.
E foi este o tom principal
da fala de Lula durante o pronunciamento que antecedeu entrevista coletiva à
imprensa. “Seria um erro da minha parte não falar que o Brasil não merece estar
passando pelo que passa”, disse.
O ex-presidente fez um alerta
para a situação atual do Brasil, chamando a atenção para a necessidade de uma
reação contra o governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) a quem Lula fez críticas
pela falta de uma condução “digna de um presidente da República”, tanto na
economia como no enfrentamento à pandemia da Covid-19.
Lula afirmou que Bolsonaro,
como presidente, deveria ter montado um comitê de crise, logo em março do ano
passado, no início da pandemia, com a participação do ministro da Saúde,
secretários estaduais de Saúde, além de médicos, infectologistas e cientistas
para tomar decisões no sentido de orientar a população sobre o que fazer.
“Era ainda preciso priorizar
dinheiro para a Saúde e comprar todas as vacinas que pudesse. Mas sequer aceitamos as vacinas que a Pfizer
nos ofereceu e isso porque temos um presidente que inventou a Cloroquina, que
fala que tem medo é maricas, que é coisa de covarde, que é ex-atleta e,
portanto, não ia pegar a doença, que afinal, acabou contraindo. Não é papel
civilizado de um presidente da República”, disse Lula.
Com o bom humor
característico, Lula, 75 anos, afirmou que sua vez de se vacinar vai chegar e
ele terá orgulho em mostrar que foi vacinado para incentivar as pessoas a se
imunizarem e não acreditarem no discurso negacionista de Bolsonaro.
Após fazer um breve
histórico da vida política de Bolsonaro, que passou cerca de 30 anos como
deputado federal sem aprovar projetos, apenas construindo a imagem de que não
era um político, Lula alertou também sobre a “loucura” que está tomando conta
do país.
Para o ex-presidente as
mortes por Covid-19 poderiam ter sido evitadas com uma ação eficaz de
enfrentamento, o que não houve até agora com o governo de Bolsonaro. “Ao
contrário, cada vez mais os preços dos combustíveis e alimentos aumentam,
tornando o brasileiro ainda mais miserável, sem condições de se sustentar. Esse
pais está desordenado e desagregado. Não tem governo. Bolsonaro não cuida da
economia, não cuida do emprego, não cuida do salário, da saúde, do meio
ambiente da educação, nem dos jovens na periferia. Há quantos anos não se ouve
falar sobre desenvolvimento e geração de emprego e renda”, questionou Lula.
Auxílio
Durante o pronunciamento,
que durou cerca de duas horas, Lula reforçou a importância da luta pelo auxilio
emergencial para que as pessoas não morram de fome e para que a economia tenha
um mínimo de recuperação.
É a lógica: se família tem
dinheiro, vai ao supermercado, comprar comida, compra um sapato, compra uma
camisa, o comércio vende e tudo funciona. Se ela não tem, fica em casa
prostrada esperando na frente do fogão quando vai ter dinheiro para ter o que
comer.
O
Brasil era feliz...
Era feliz e sabia, mas o
projeto de país almejado pelos adversários políticos de Lula interromperam uma
história de respeito internacional e crescimento econômico. A Lava-Jato foi
mostrada ao Brasil como uma operação que além de prender empresários e
políticos corruptos, ainda recuperou “bilhões de reais” aos cofres públicos.
Mas Lula adverte que os R$
4,4 bi recuperados pela operação não são nada perto dos mais de R$ 170 bilhões
que o Brasil perdeu em investimento por causa da Lava Jato. Os dados fazem
parte de um estudo feito pelo Dieese com dados oficiais da própria operação e
estatísticas econômicas.
“Que a operação prendesse o
dono, mas não fechasse a empresa, para continuar funcionando, gerando empregos”,
disse o ex-presidente.
Lula criticou ainda o
‘entreguismo’ de Paulo Guedes, ministro da Economia, que pretende privatizar
estatais estratégicas para o país – ações equivocadas na avaliação de Lula.
“A única forma de diminuir a
dívida pública é o crescimento econômico, o investimento público. A lógica é
que se o Estado não confia na sua política e não investe, por que o empresário
haveria de investir”, disse o ex-presidente se referindo à importância das
estatais.
Lula também lamentou que a
indústria brasileira tenha se retraído ao longo dos anos por falta de
investimentos. Ele lembrou que a indústria automobilística vendia cerca de 4
milhões de carros em 2008. Hoje, vende apenas cerca de 2 milhões por ano, o que
para ele, é resultado não só da falta de incentivo, mas também pela falta de
demanda.
O ex-presidente afirmou
ainda que tem intenção de – tão logo possa – sair pelo país novamente para
dialogar com o povo brasileiro sobre a necessidade de reverter essas situações
e descartou falar em reeleição, pelo menos por enquanto.
Em resposta à imprensa, Lula
disse que ainda é muito cedo para falar em 2022, e que “tem muita coisa para se
fazer e se pensar antes de discutir sua candidatura”.
Moro
"Nós vamos continuar
lutando para que o Moro seja considerado suspeito. Ele não tem o direito de se
transformar no maior mentiroso da história do Brasil e se tornar herói. Deus de
barro não dura muito tempo. Eu tenho certeza que hoje, ele deve estar sofrendo
muito mais do que eu sofri", disse Lula, que acusou a mídia de ter
"firmado um pacto" com a República de Curitiba, que estava à frente
da Lava jato.
Lula afirmou, ainda, que foi
"vítima da maior mentira jurídica, contada em 500 anos de história" e
lembrou de Marisa Letícia, sua ex-companheira, que morreu em 3 de fevereiro de
2017 e do irmão Vavá, que morreu no ano passado e ele não pode ir ao velório.
O ex-presidente ainda ironizou
William Bonner, apresentador do Jornal Nacional da TV Globo, dizendo que estava
muito mais sereno do que o jornalista ao dar a notícia sobre a anulação e ao
noticiar o voto de Gilmar Mendes sobre a suspeição do ex-juiz que incluiu
críticas ao jornalismo de emissora.
Fonte:
https://www.cut.org.br/noticias