O que virá depois do fim da
pandemia? Identificada em Wuhan, na província de Hubei, na China, em 1° de
dezembro de 2019, com o primeiro notificado em 31 de dezembro, a doença já
infectou mais de 1 milhão de pessoas, segundo a Universidade Johns Hopkins, nos
Estados Unidos. Uma das questões mais especuladas – dos pontos de vista
político, social e econômico – desde que o coronavírus se instalou
definitivamente no mundo é: o que virá depois?
Do ponto de vista das
relações internacionais e econômicas, há previsões de que “o mundo nunca mais
será o mesmo”. Segundo uma visão mais otimista, a necessidade óbvia da
participação do Estado no enfrentamento da atual crise – caso inclusive de
países de governos neoliberais como o brasileiro – aponta para um mundo em que
o Estado voltaria a ser protagonista e os governos, mais propensos ao social.
Para Reginaldo Nasser,
professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP), mudanças certamente acontecerão, mas também readequações
promovidas pelos chamados donos do capitalismo mundial.
Ele menciona o professor
irlandês Fred Halliday, da London School, segundo o qual há duas previsões que
sempre estão erradas: as que dizem que tudo vai mudar e aquelas que preveem que
não vai mudar nada. Para Nasser, a tendência após a crise da pandemia atual é
de um equilíbrio entre projeções mais otimistas e as pessimistas.
Em sua opinião, a guinada de
economistas liberais, que de repente passam a enaltecer o Estado, deve ser
encarada com prudência. “Do ponto de vista dos liberais e capitalistas, em
tempos excepcionais como o atual, essas medidas antiliberais, de intervenção do
Estado na economia, têm que acontecer, mas depois que passar não terão mais
sentido, para eles”, diz.
Nasser compara o cenário
atual com o do pós-Segunda Guerra Mundial, quando “a devastação foi muito pior
do que estamos vendo, em número de pessoas mortas e destruição física”. No
pós-guerra, o Estado também entrou pesadamente na economia, num período de
transição e recuperação mundial, com o Plano Marshall, promovido pelos Estados
Unidos, e depois a implementação do Estado do bem estar social europeu, quando
a Europa tinha movimentos sociais e de esquerda muito fortes e atuantes.
“Houve uma transição. Mas,
depois, as ideias liberais vão paulatinamente entrando novamente no cenário. Na
década de 60, os liberais foram gradativamente retomando, até chegarem ao poder
com Margareth Thatcher 20 anos depois.”
A primeira-ministra
britânica, eleita em 1979, inaugurou o modelo neoliberal como política de
governo no mundo, e foi seguida depois pelo presidente norte-americano Ronald
Reagan, cujo governo se iniciou em 1981.
“Não que não tenha havido
mudanças no mundo após a Guerra, claro que mudou. Mas, também, de forma alguma
as ideias liberais acabaram. A França e a Inglaterra continuaram colonialistas.
As forças se rearticularam. E, hoje, no nosso país, a gente sabe como está o
jogo de forças, e não é fácil”, observa Nasser.
Para ele, as manifestações
de economistas como Persio Arida e Armínio Fraga a favor de um Estado mais
intervencionista também devem ser vistas com cautela. “Os economistas não são
fiéis representantes dos atores capitalistas e financeiros. Eles não são homens
das finanças. O Paulo Guedes, sim, é um homem das finanças. Mas, embora pareça
óbvio, de repente não se fala que os atores do capitalismo, hoje, são as
grandes corporações.”
Na opinião do professor da
PUC-SP, o que é importante questionar é até que ponto essas corporações vão
continuar com o enorme poder que consolidaram ao longo do século 20. Para ele,
não é possível avaliar isso no momento. No entanto, questiona, “após as duas
grandes guerras, o que aconteceu com as corporações? Elas cresceram em poder”.
Um bom exemplo são as
empresas automobilísticas, durante a pandemia de coronavírus, serem destacadas
pelo Estado ou elas mesmas tomarem a iniciativa de produzir respiradores, por
exemplo. “Guardadas as proporções, isso aconteceu na guerra também. Produziam
tratores e passaram a produzir tanques de guerra. Você tem uma realocação da
capacidade produtiva para algumas questões momentâneas.”
Porém, como no pós guerra,
isso não quer dizer que os donos do grande capital vão adequar produtos a
necessidades sociais. “Nunca vão fazer isso. Quando tem uma lógica de guerra,
de uma pandemia, sob a autoridade do Estado, produzem bens de utilidade social,
mas depois não vão continuar nessa lógica.”
China, EUA e… Brasil
Enquanto isso, com ou sem
pandemia, o protagonismo continua sendo exercido pelos gigantes China e Estados
Unidos, país que, hoje, tem o maior número de casos diagnosticados, com mais de
236 mil, segundo a Universidade Johns Hopkins.
Segundo divulgado na
imprensa internacional e brasileira nas últimas 24 horas, uma compra em massa
de equipamentos chineses pelos Estados Unidos acabou por cancelar a aquisição
dos mesmos equipamentos para o Brasil, que, segundo as informações, ficou
literalmente a ver navios. Os EUA enviaram à China 23 aviões cargueiros para
levar os produtos.
Para Reginaldo Nasser, esse
episódio não tem nada a ver com problemas diplomáticos gerados pelo governo
Jair Bolsonaro ou seu filho, que acusou a China de ser responsável pela
pandemia de coronavírus.
“A China não está preocupada
com isso, mas está pensando em mercado. Vai dar bola para o que Eduardo
Bananinha (apelido de Eduardo Bolsonaro) falou? Na minha perspectiva isso são
coisas de grandes potências, que pensam e agem como tal. Da mesma forma com que
disputam, também se articulam.”
Sobre o episódio, Nasser
menciona o sociólogo norte-americano
Erving Goffman, da década de 50. “Para ele, há o front stage e o back
stage. O front stage é o que a gente enxerga primeiro. A China não faria essa
negociação com os Estados Unidos de graça.
Deve ter alguma coisa em jogo que a gente não está vendo.”
Fonte:
https://www.redebrasilatual.com.br/economia/2020/04/que-mundo-vai-emergir-pandemia-coronavirus/
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