O atual cenário de pandemia
de covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus restabelece a importância
da ciência e da informação responsável como principais ferramentas para reduzir
ao máximo os danos sociais e econômicos que ela causará. A conclusão é do
biólogo e pós-doutor em microbiologia Atila Iamarino. Ele participou na noite
de ontem (30) do programa Roda Viva, da TV Cultura.
“O mundo não vai voltar a
ser o que era (…) É uma situação preocupante. Têm pessoas querendo voltar ao
que tinham antes. Temos um histórico mais recente de negação da ciência, dos
fatos”, disse. Para o cientista, o cenário pede atenção absoluta da sociedade. Recentemente,
Atila, que já trabalhava com divulgação científica, ganhou mais popularidade ao
projetar 1 milhão de mortes no Brasil, caso nada fosse feito.
Tal número não veio de
estudos do próprio especialista. A projeção foi feita pelo Imperial College London,
instituição britânica que faz consultoria para desde a Organização Mundial da
Saúde (OMS), a governos de todo o mundo. Tal estudo foi motivo, por exemplo,
para uma mudança drástica de postura do primeiro-ministro da Inglaterra, Boris
Johnson. Inicialmente, ele defendia que quarentenas em massa não seriam
necessárias. O estudo, que se mostrou real após poucas semanas, o fez fechar o
país.
Em meio a um cenário
distópico, em que maiores metrópoles do mundo estão com seus cidadãos
confinados, Atila defendeu a reflexão sobre os erros do mundo antes da
pandemia. E disse ser otimista sobre as mudanças que virão após tamanha crise.
“Temos duas ferramentas que estavam em descrédito. É bom renovar a confiança. A
imprensa, que vem sendo atacada, é de extrema importância, é confiável gente
competente que apura informação. A outra é a ciência. Seja histórica, para
reconstruir e construir cenários, ou para prever, como a biologia”, afirmou.
Alcance
da pandemia
Atila tem experiência
acadêmica em estudos de relevância internacional com epidemias como de Ebola e
Zika. Ao analisar cenários para o novo coronavírus, o cientista não hesita em
reafirmar a seriedade da situação. “As pessoas morrem pela doença e pelo
colapso do sistema de saúde. Não têm leitos suficientes, não têm ambulâncias. É
uma doença que hospitaliza muitas pessoas”, disse.
Alguns fatores amplificam a
gravidade da pandemia. A dispersão do vírus é muito rápida; pessoas
assintomáticas transmitem a doença antes de saberem ser portadoras. Outro fator
é a novidade; diferente de vírus sazonais da gripe, as pessoas não possuem
anticorpos para vírus semelhantes. “A gripe se espalha em uma população que já
teve gripe. O H1N1, de 2019, não infectou muitos idosos, porque eles já tiveram
gripes que os deixaram imunes”, explicou.
Atila prosseguiu com o dado
de que a covid-19 mata de dez a 20 vezes mais do que a gripe comum, e também
infecta em tal proporção. “Isso satura o sistema de saúde. Ela consegue fazer
isso em poucos dias, é muito mais preocupante. Ela afeta idosos. Pegou de
surpresa. O vírus da covid tem uma afinidade maior pelas vias respiratórias
superiores, ele transmite mais pela tosse e espirro.”
Outro
mundo
Por diversas vezes durante o
programa, Atila afirmou que o mundo deve mudar após a pandemia. No curto, médio
e longo prazo. As alterações passam desde o trato à ciência e prevenção, a até
novas relações de trabalho. “De imediato, até tomarmos a vacina, teremos que
tomar precauções. Nesse meio tempo, as pessoas vão mudar. Tem pais e mães
convivendo mais com os filhos. Convivemos com um problema de alguém do interior
da China. O mundo vai ser mais diferente mas espero que seja mais unido”,
disse.
Mais adiante, após o fim do
pico de contágio, a preocupação com o retorno da pandemia deve ser de grande
relevância. “Todo mundo vai ter que usar máscara por uns bons meses. A
indústria tem que se adequar.” Agora, na ascensão do novo coronavírus, os equipamentos
devem ser direcionados, na sua totalidade, aos profissionais da saúde, defende
Atila. Mas, de acordo com a possibilidade, todos deverão adotar o hábito de
usar máscaras.
Já sobre o mundo do
trabalho, Atila defende uma mudança de postura em relação ao tratamento dos
cidadãos. “Não tem como retomar o que existia antes. Precisamos nos adequar a
uma nova economia e ao trabalho remoto”, disse, em uma defesa do conhecido home
office.
As relações afetivas tendem
a seguir o mesmo caminho. A tecnologia de comunicação deve passar a ter, cada
vez mais, o objetivo de aproximar. “Mesmo virtual, espero uma constância maior
(dos relacionamentos). Tem muita gente descobrindo que poderia trabalhar de
casa. Ensino à distância pode ser mais aplicado. Espero que renovemos a
esperança na ciência e na mídia. Estamos redescobrindo a real importância
disso, de saber do vizinho.”
Quarentenas
O Brasil está apenas no
início da curva de crescimento de casos de covid-19. Tal fato é reconhecido
pelo Ministério da Saúde e toda a comunidade científica. De acordo com dados do
governo, no final de abril, o sistema de saúde pode entrar em colapso. Diante
de tal cenário, Atila não hesita em defender medidas de isolamento social e de
intensas quarentenas em grandes epicentros de disseminação do novo coronavírus.
Existe uma grande
oportunidade para o Brasil, que vem com uma imensa contradição. Como o país foi
afetado semanas após os surtos em outros países, como Itália, Espanha e Estados
Unidos, existe a oportunidade para o poder público minimizar as mortes. Essa é
a oportunidade. Já a contradição é o posicionamento do presidente de
extrema-direita, Jair Bolsonaro (sem partido), que insiste em desprezar as
recomendações de todas as autoridades de saúde, além de ir contra todos os líderes
mundiais. O extremista defende que o vírus não passa de uma “gripezinha” e que
a sociedade não precisa de grandes cuidados.
A realidade aponta para o
sentido oposto. As mortes virão aos montes. ” Vai ser um trauma coletivo bem
grande”, defende Atila. O alento vem do posicionamento dos governos locais. À
revelia do presidente, governadores estão seguindo as orientações das
autoridades de Saúde e já tomaram atitudes importantes.
“Os estados que estão
mantendo as pessoas circulando menos, que têm comércio parado, circulação
fechada e estão construindo leito estão indo bem”, disse, ao citar os exemplos
de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que adotaram quarentenas em massa.
Tais ações de estímulo ao
isolamento social fazem grande diferença no ciclo de contágio do novo
coronavírus. A grande vantagem é dar tempo para que o sistema de saúde acomode
os doentes. Atila lembra que, mesmo a letalidade do covid-19 parecendo pequena,
em torno de 2% dos infectados, a taxa de hospitalização é extremamente alta, por
volta de 15%. Isso, somado à velocidade em que o vírus contagia mais e mais
pessoas, tem provocado colapsos e caos em diferentes países.
“Todos os países estão
fazendo alguma coisa. É uma questão de tempo. O tempo é daqui para agosto. Mais
do que o teto de mortes, que pode ser um desastre, o intervalo para agir é
curto. É urgente e isso dá ânsia para avisar. Felizmente, a maioria dos estados
aderiu à quarentena ou reduziram a circulação. Uma ou duas semanas mais pra
frente poderiam representar dezenas de milhares de mortos que não precisavam
morrer”, disse Atila.
Desinformação
Questionado sobre aqueles
que seguem o presidente e desprezam o potencial da pandemia do novo
coronavírus, Atila responde que isso é uma questão de tempo. “Tudo é uma
questão de tempo. Embora a letalidade seja mais alta entre idosos, o índice de
internações é alto em outras faixas etárias. É um risco para muitas pessoas.
Hipertensos com 30 anos que não teriam porque morrer. Crianças que fizeram
transplante, asmáticos. Eles têm mais chances de morrer do que com uma gripe
normal”, disse.
“É um risco muito grande
para muitas pessoas (…) Existem os dois lados: os que não aceitam que a
realidade mudou (é um deles). Têm pessoas que querem voltar ao que tínhamos
antes”, disse, citando grupos conservadores, que resistem à mudanças de
conjuntura e exaltam o passado.
Entretanto, Atila prevê que
a posição de conservadores em relação ao vírus tende a sofrer com o abalo da
realidade. “Quem nega o aquecimento global vai ver os efeitos em 30 anos. Os
afetados não serão eles. Quem não vacina os filhos, provoca um surto dez anos
depois. Com a covid-19, a consequência virá rapidamente. Quem está negando, só
tem que esperar. A situação vai mudar em duas ou três semanas”, afirmou.
Ciência
do futuro
Atila fez grandes críticas
aos investimentos públicos em ciência e tenologia. Para o cientista, para além
do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), verbas neste setor são
essenciais para a manutenção da vida. Entretanto, são fáceis de ser ignoradas.
“É fácil descartar a ciência e não ver os efeitos a longo prazo”, disse.
Cenários de grandes
pandemias foram previstas por cientistas. “Não foi por falta de aviso”,
provocou Atila. E, especialmente para o Brasil, o acadêmico lembra que “não
falta material humano. Falta infraestrutura”. “Um amigo meu, aluno de doutorado,
super qualificado para fazer pesquisa, descobriu que sua bolsa foi cortada
recentemente. A pessoa mais qualificada agora para fazer testes perdeu a bolsa.
Estamos reféns de agentes de fora”, completou.
“China, Alemanha, Coreia do
Sul produzem reagentes para fazer testes. Agora pagamos o preço”, disse, ao
citar países que adotaram estratégias eficazes de combate ao vírus. Tal
estratégia não é segredo: “testes, testes e mais testes”, nas palavras do
diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus.
Atila reforça o alerta:
“Faltam ações. Quem trabalha com epidemiologia já fala que são possíveis
epidemias sérias. Torço para que este seja um preparo. Não é a pior epidemia
possível. Podemos ter epidemias que cheguem aos números de hoje em um mês. É
uma possibilidade concreta”.
Para evitar tragédias
futuras, investimento pesado em ciência e tecnologia. Mas também reconhecimento
e verbas para amplos setores, defende Atila. “Vemos um desprezo pelas ciências
humanas. Elas que poderiam mostrar aonde ações deveriam ser aplicadas. O melhor
cenário é renovar o respeito”, completou.
Fonte:
Rede Brasil Atual - RBA
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