Peça
1 – sobre os cenários improváveis. Até
a posse de Dilma Rousseff, já havia ocorrido os seguintes fenômenos, que
passaram despercebidos dos partidos políticos e dos analistas em geral:
1.
A montagem da bancada de Eduardo Cunha e Michel Temer, com recursos obtidos dos
cargos públicos que receberam do PT.
2.
As ligações entre a Lava Jato, a Procuradoria Geral da República (PGR) e o
Departamento de Estado norte-americano.
3.
A parceria Mídia-Ministério Público Federal (MPF), criada com a AP 470, do
“mensalão”.
4.
A parceria mercado-PMDB, em torno da “Ponte para o Futuro”.
5.
A entrada de novos militantes de direita nas redes sociais.
Consumado
o impeachment, em pouco tempo ocorreram fatos impensáveis, até então:
1.
Um golpe jurídico-midiático-parlamentar.
2.
A tomada do Legislativo e do Executivo pela pior organização política da
história.
3.
Em pouquíssimo tempo, a liquidação da engenharia nacional, junto com cadeia do
petróleo e gás e os estaleiros implantados no período pela ação da Lava Jato.
4.
A destruição das principais multinacionais do país e a criminalização da
diplomacia externa.
5.
O desmonte do Estado.
6.
A tentativa de privatização selvagem.
7.
Aumento da repressão em todos os níveis, de mortes de lideranças sociais à
caçada aos dissidentes, fossem delegados da PF, jornalistas ou militantes.
8.
Avanço da intolerância religiosa e moral em todos os níveis, com partidarização
inédita da Justiça e do MPF.
Entrou-se
em um novo normal, no qual não é possível mais estimar o fundo do poço. Desde
que se implodiu o edifício democrático, com o impeachment, instaurou-se o
imprevisível, com um amplo leque de possibilidades.
Em
alguns momentos, é possível vislumbrar algum refluxo da intolerância. No
momento seguinte, aparecem novas nuvens toldando o horizonte. Mas as razões
estruturais permanecem apontando para desfechos pouco otimistas.
Peça
2 – o fator militar
As
declarações do general do Exército Antônio Hamilton Martins Mourão, mencionando
possibilidade de uma intervenção militar, definiram uma nova etapa, um novo
normal em cima do anterior.
Depois
das intervenções das Forças Armadas em várias capitais do Nordeste, em Vitória
e no Rio de Janeiro, devido à perda de controle dos respectivos governos sobre
a segurança interna, se poderia considerar a afirmação apenas uma constatação
óbvia.
Disse
o general: “Então no presente momento, o que que nós vislumbramos, os Poderes
terão que buscar a solução. Se não conseguirem, né?, chegará a hora que nós
teremos que impor uma solução. E essa imposição ela não será fácil, ele trará
problemas”.
Partindo
de um oficial da ativa, ganha outro significado. E os desdobramentos do
episódio mostram o novo cenário.
Houve
grita da mídia, por uma resposta do governo ao militar. O ministro da Defesa
Raul Jungman chegou a anunciar que cobraria providências. Ontem à noite, no
programa de Pedro Bial, o chefe do Estado Maior das Forças Armadas, general
Villas Boas, declarou em alto e bom som que não haveria punição, que o general
falou em ambiente fechado, provocado pelas perguntas etc.
Ali,
encerrou-se a fase de subordinação das Forças Armadas ao poder civil. Obedeceu
a uma lógica óbvia: como vai punir um companheiro de fardas, que expressou o
sentimento do Alto Comando, se o próprio presidente da República é
reconhecidamente corrupto e o Congresso Nacional está dominado por um grupo de
parlamentares denunciados?
Peça
3 – as características do pensamento militar
Para
se avaliar desdobramentos do episódio, é necessário um mergulho, ainda que
superficial, no pensamento militar.
Disciplina
Quando
o general menciona que, nas Forças Armadas, tudo é organizado e planejado, vale
para a estrutura administrativa e vale para a cabeça do militar. O positivismo
dos tempos do Império continua entranhado na cultura militar. Tudo tem que ser
previsto, calculado, hierarquizado, branco no preto. Por isso mesmo, há uma
dificuldade enorme em entender processos sociais ou a balbúrdia inerente aos
processos democráticos, ou mesmo os sistemas mais fluidos do mercado.
Anticorrupção
Funcionários
públicos costumam se valer de muitas carreiras de Estado como trampolim para o
mercado. No caso dos militares, é dedicação para toda vida, com exceção de
algumas áreas tecnológicas. Por isso mesmo, a corrupção é o maior inimigo
vislumbrado. Aliás, o regime militar entrou na reta final quando foram
revelados os escândalos da Capemi, batendo na corporação militar.
O
noticiário exaustivo sobre corrupção calou fundo nas Forças Armadas. A Lava
Jato é aceita; o Ministério Público Federal, não, em parte devido às suas
políticas ambientais e de defesa de direitos humanos. A política tradicional é
execrada, mas Lula e o PT também.
Interesse nacional
Para
as Forças Armadas, a Amazônia Verde é tema tabu, quase tão relevante quanto a
Amazônia Azul, da costa brasileira e do pré-sal. Entendem que grande parte das
disputas geopolíticas se dá pelo controle das últimas reservas de matéria prima
do planeta. E o Brasil tem que aproveitar seu potencial para fazer valer o
Poder nacional.
Sua
posição sobre a produção interna estratégica, o mercado interno e as estatais
aproxima-se bastante das teses desenvolvimentistas, com o desenvolvimento sendo
subordinado a visões sobre segurança nacional.
Peça 4 – vivandeiras e
interesses setoriais
Em
1964, ficou famoso o termo “vivandeiras”, para caracterizar os que iam bater à
porte dos quartéis, exigindo intervenção militar. Hoje em dia, os apelos provem
de uma minoria barulhenta. Mas há um conjunto de fatores que poderá pressionar
os militares:
1.
Vendeu-se a ideia de que bastaria a saída de Dilma para tudo entrar nos eixos.
O choque representado pela entrada de Temer e pela adesão a ele dos baluartes
da anticorrupção praticamente exterminaram a credibilidade de todos os partidos
políticos. Praticamente a única figura que restou da atual geração política foi
Lula, e submetido a ameaças crescentes.
2.
Os negócios que estão sendo armados na Eletrobrás e outros setores, a Lei do
Teto e o esvaziamento do BNDES são ameaças concretas a diversos setores
relevantes da economia. Já caiu a ficha da indústria e comércio que a atual
política econômica beneficia exclusivamente o grande capital e as grandes
negociatas
3.
Os problemas crônicos de segurança pública, que serão agravados pela PEC do
Teto. A crise fiscal, que bateu fundo também nas Forças Armadas.
4.
A perspectiva de novas eleições com as regras atuais, permitindo a volta de
parlamentares denunciados.
5.
As ameaças sobre a Amazônia e o pré-sal.
Some-se
a isso esses tempos de redes sociais, que estão permitindo a diversos oficiais
generais contato direto com a massa made in Twitter. Ou se julgava que, depois
do opinionismo desvairado e sem controle de juízes, procuradores, Ministros do
Supremo, a corporação militar ficaria de fora. São tão classe média quanto os
outros. E, dentro do caos institucional dos demais poderes, como exigir que, em
algum momento, os militares não se apresentassem nas discussões?
Peça
5 – a lógica dos regimes de exceção
A
lógica dos regimes de exceção é sempre a mesma. Primeiro, a ideia de intervir,
limpar a política dos “maus políticos” e devolver o poder aos civis. Depois, o
tempo vai passando e decidem ampliar o salvacionismo, prorrogando a intervenção.
É questão de tempo para a lógica do poder se impor.
Na
hipótese de um reavivamento do poder militar, quais seriam as consequências?
Movimentos
sociais – reprimidos, assim como Lula e o petismo.
Direitos
humanos – reduzidos, mas provavelmente com a implantação de algumas políticas
distributivistas.
Setores
estratégicos – revigorados, sob controle direto do Estado, infraestrutura
(energia, transportes).
Mercado
– restrito às empresas do setor privado, sem nenhuma chance de entrar em
infraestrutura e outras áreas críticas. O pensamento militar entende muito
melhor modelos como Telebrás, Eletrobrás, Petrobras, do que agências
reguladoras, em geral capturadas pelo mercado.
Política
econômica – levaria algum tempo para perceber o efeito deletério da política
monetária sobre a atividade e o orçamento. Mas o modelo chinês seria de fácil
assimilação, especialmente para o raciocínio militar.
Meio
ambiente – terceiro plano, assim como as populações indígenas.
Campeões
nacionais – estariam de volta, já que as multinacionais brasileiras são vistas,
pelo pensamento militar, como extensão do Poder nacional.
Limpeza
política – de cambulhada, iria metade da Câmara. Os corruptos serviriam de
álibi para decapitar as principais lideranças da oposição.
Mídia
- a Globo fecharia o dia criticando o poder militar. Ao primeiro clarim da
manhã, os bravos colegas mudariam de opinião, como tropa bem disciplinada. No
pós-1964 ainda havia algumas referências liberais civis, como o Jornal do
Brasil e o Correio da Manhã. Hoje em dia, não existe mais o chamado caráter
editorial. Mudar de um barco para outro seria medida rápida. Em qualquer
hipótese acaba o poder desestabilizador da mídia.
Liberdade
de expressão – seria suprimida gradativamente, em nome do interesse nacional,
assim como liberdade de organização, sindicatos etc.
Geopolítica
– sairiam procuradores e juízes alinhados com os EUA e voltariam as políticas
diplomáticas soberanas.
Supremo
Tribunal Federal – não resistiria ao primeiro toque de clarim.
Peça
6 – os desdobramentos possíveis
No
fim do túnel há três possibilidades:
Possibilidade
1 – os militares assumindo o controle do país. Probabilidade baixa.
Possibilidade
2 – alinhados com alguma candidatura bonapartista, com a re-centralização do
poder no Executivo (leia, a propósito, o artigo de André Araújo no GGN, “Sem
estado forte, outro poder mandará”). Falta identificar o Bonaparte. Bolsonaro
atrai o baixo clero militar. Mas é uma ameaça permanente.
Possibilidade
3 – eleições em 2018, com recomposição do centro democrático, e as Forças
Armadas retomando seu papel constitucional.
Hipótese
difícil. O quadro político está tão fragmentado que, do lado do pessoal do
impeachment, não há um interlocutor sequer. E, do lado, das esquerdas, apenas
uma liderança, Lula, ameaçada em várias frentes. E as novas forças que surgem,
de forma autônoma ou atreladas aos partidos tradicionais, não encontram ainda
oxigênio para ganhar dimensão nacional, com as regras políticas enfeixadas nas
mãos da geração que não quer ir embora.
De
qualquer forma, o jogo político está mais propenso para uma candidatura de
confronto, do que de conciliação.
Por:
Luis Nassif, no Jornal GGN.
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