“A equipe econômica está completamente
perdida”. A frase da economista Ana Luiza Matos de Oliveira, da Fundação Perseu
Abramo, resume a percepção não só de especialistas, mas certamente de parte da
população brasileira. Diante da crise global causada pela pandemia do
coronavírus, as expectativas apontam para uma desaceleração consistente da
economia mundial e o governo brasileiro não tem conseguido dar respostas à altura
do desafio.
A insistência em optar por
medidas que continuam a seguir no caminho da austeridade preocupa. Em todo o
mundo, até mesmo representantes mais tradicionais do mercado defendem ações
econômicas de amparo social. O Fundo Monetário Internacional (FMI) informou
nesta segunda-feira (23) que vai ampliar fortemente os financiamentos
emergenciais e que está pronto para usar toda a sua capacidade de empréstimos,
que chega a US$ 1 trilhão. Mais de 80 países já pediram ajuda ao Fundo.
Na semana passada, a
diretora gerente do FMI, Kristalina Georgieva, ressaltou a necessidade de ações
coordenadas. “À medida que o vírus se propaga, a necessidade de um estímulo
fiscal global coordenado e sincronizado é cada vez mais forte”, disse ela.
Anteriormente, a diretora de
pesquisa do Fundo, Gita Gopinath, já havia dito que era necessário adotar
medidas para garantir proteção à rede de relações econômicas e financeiras
entre trabalhadores, empresas, financiadores, tomadores de empréstimos,
fornecedores e consumidores. Gopinath foi além, afirmou que países ricos devem
ajudar os que estão mais economicamente fragilizados.
No Brasil, em transmissão
online que reuniu representantes de grandes empresas, o fundador da XP
Investimentos, Guilherme Benchimol, foi ainda mais radical e chegou a citar as
medidas tomadas pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial para
reconstrução dos países europeus. “Precisamos de um plano Marshall, uma bomba
atômica, para que o Brasil não entre em caos social”, sentenciou.
Se até mesmo o mercado
parece perceber a importância de ações consistentes, coordenadas e que levem em
consideração a necessidade de investimentos públicos, a equipe econômica de
Jair Bolsonaro (sem partido) patina. Para a economista Ana Luiza Matos de
Oliveira, as respostas não são apenas insuficientes, mas também perigosas.
“As medidas que o governo
vem tomando vão no sentido de agravar essa crise sanitária e aprofundar o
abismo social e econômico que pode ser gerado. A gente tem uma pandemia causada
pelo vírus e a forma com que o governo faz a gestão dessa questão internamente,
vai nos levar a uma pandemia social e econômica também”, afirma.
Contramão
do mundo
O Ministério da Economia
brasileiro anunciou um plano emergencial de R$ 147,3 bilhões. No entanto, a maior
parte das medidas antecipa receitas que já seriam gastas ao longo do ano e
posterga despesas para os empresários. Não há injeção significativa de novos
valores na saúde, e o ministro Paulo Guedes já informou que o governo não
cogita rever o teto de gastos. Isso significa que os investimentos em saúde e
em outras áreas sociais continuarão congelados por vinte anos, como determina a
emenda do teto de gastos (EC 95), aprovada no governo de Michel Temer e
defendida por Bolsonaro e sua equipe.
Enquanto isso, países da
União Europeia aprovaram a suspensão de regras da disciplina orçamentária, o
que vai permitir que os governos aumentassem gastos públicos em saúde. Ana
Luiza Matos de Oliveira afirma que a resposta do Brasil vem sendo a pior
possível.
“Quando isso tudo passar, o
Brasil liderado por Jair Bolsonaro vai ficar conhecido como o país que ofereceu
a pior resposta possível à crise, em termos sanitários, econômicos e sociais. O
Brasil está tomando medidas na contramão de todos os outros países, na contramão
do que o FMI está pregando, na contramão do que o Banco Mundial está falando.
São órgãos comprometidíssimos com a questão da austeridade fiscal e estão
dizendo que agora que é preciso gastar com saúde, gastar em proteção social e
que a gente precisa proteger os vulneráveis”, analisa.
Confiança
do mercado
O discurso recorrente do
ministro Paulo Guedes para justificar medidas de austeridade sempre foi a
necessidade de criação de uma suposta confiança no mercado. Se antes da crise
do coronavírus o crescimento pífio do PIB já demonstrava que a tática não estava
surtindo efeito, agora as coisas pioram. Ana Luiza avalia que a falta de
comprometimento com a proteção social em um momento de crise global passa o
pior dos recados para investidores.
“Há algumas semanas alguém
perguntou ao Paulo Guedes sobre os impactos do coronavírus na economia do
Brasil. Ele respondeu que as pessoas não precisavam se preocupar porque nós
temos um sistema financeiro muito consolidado. Eu achei curioso, porque a
pergunta não estava falando de sistema financeiro. A economia é muito mais do
que o sistema financeiro. Economia diz respeito a conseguir colocar comida na
mesa da sua família, conseguir pagar as contas e ter perspectivas de melhora na
situação econômica. Se para essa economia real, as coisas já não andavam bem,
agora, com todo esse caos que está se formando, a gente percebe que esse outro
lado financeiro também está se desfazendo”, aponta.
Na opinião da economista da
Fundação Perseu Abramo, Paulo Guedes não tem conhecimento e experiência em
gestão pública. “Por trás dessa tentativa de criar otimismo nos mercados, que
em parte é sim o papel de um ministro da economia, está uma leitura descolada
da realidade”.
Futuro
incerto
Frente aos impactos
econômicos do coronavírus, o governo revisou a previsão de crescimento do PIB
brasileiro. As expectativas, que já foram de 2,1%, foram praticamente zeradas,
e agora estão em 0,02%. A economista avalia que o país chega enfraquecido ao
enfrentamento das consequências que a crise global vai gerar.
“Todas essas reformas que o
Brasil fez desde 2016, a partir do arcabouço da austeridade, fizeram com que a
gente chegasse a essa crise de uma forma muito mais vulnerável. Temos menos
instrumentos para combater a
vulnerabilidade social, para combater debilidades que temos no Sistema Único de
Saúde. Esse cenário de desmontes com a reforma trabalhista, a reforma da
Previdência e a Emenda Constitucional do teto de gastos contribuem para que a
gente esteja mais fragilizado perante à crise”, afirma.
A economista destaca ainda
que, com a crise atual, fica cada vez mais nítido para a população que as
medidas de austeridade prejudicam os interesses sociais. “Esse momento que a
gente está mostra que várias forças estão se unindo e estão vendo que muitas
dessas regras que foram colocadas são medidas que nos impedem de tomar decisões
necessárias em momento de crise”.
Durante a conversa de Ana
Luiza Matos com o Brasil de Fato, o governo enfrentava as repercussões de uma
decisão que permitiria a suspensão de salários por quatro meses e deixava a
cargo do trabalhador a negociação com os patrões sobre essa possibilidade. Ao
longo da manhã, o termo Bolsonaro Genocida, chegou a figurar entre os assuntos
mais comentados do Twitter. No meio da entrevista, a economista foi informada
de que Bolsonaro havia voltado atrás na decisão. Novamente um recado de que o
governo está desorientado.
“Uma MP que não durou nem 12
horas. O governo está perdido! Tentando ajudar o governo a pensar, tem vários
grupos de economistas que estão se juntando e apresentando propostas. Houve um manifesto
dos professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, um manifesto da
Universidade Federal do Rio de Janeiro e um estudo do Instituto de Economia da
Unicamp. A gente elenca algumas medidas que a gente entende que deveriam ser
tomadas no longo prazo e no curto prazo para passar por essa crise de uma forma
mais suave. A gente está tentando falar e pressionar sobre isso, porque parte
desse ‘volta atrás’ do Bolsonaro, é também por pressão e nós temos que
continuar”, defende.
Fonte:
Brasil de Fato
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