O deputado João Paulo Cunha
(PT/SP), ex-presidente da Câmara dos Deputados e réu condenado na Ação Penal
470, escreveu uma carta aberta ao presidente do Supremo Tribunal Federal,
Joaquim Barbosa, que poderá prendê-lo assim que regressar das férias na Europa.
Leia abaixo:
Caro ministro Joaquim
Barbosa, há poucos dias, em entrevista, o senhor ficou irritado porque a
imprensa publicou a minha opinião sobre o julgamento da ação penal 470 e
afirmou que não conversa com réu, porque a este só caberia o ostracismo.
Gostaria de iniciar este
diálogo lembrando-lhe da recente afirmação do ex-ministro Eros Grau, do Supremo
Tribunal Federal: "O Judiciário tende a converter-se em um produtor de
insegurança" e que "o que hoje se passa nos tribunais superiores é de
arrepiar". Ele tem razão. E o julgamento da ação penal 470, da qual V.Exa.
é relator, evidencia as limitações da Justiça brasileira.
Nos minutos finais do
expediente do último dia 6 de janeiro, o senhor decretou a minha prisão e o
cumprimento parcial da sentença, fatiando o transitado e julgado do meu caso.
Imediatamente convocou a imprensa e anunciou o feito. Desconsiderando normas
processuais, não oficializou a Câmara dos Deputados, não providenciou a carta
de sentença para a Vara de Execuções Penais, não assinou o mandato de prisão e
saiu de férias. Naquele dia e nos subsequentes, a imprensa repercutiu o caso,
expondo-me à execração.
Como formalmente vivemos em
um estado democrático de direito, que garante o diálogo entre o juiz e o réu,
posso questionar-lhe. O caso era urgente? Por que então não providenciou os
trâmites jurídicos exigidos e não assinou o mandato de prisão? Não era urgente?
Por que então decretou a prisão de afogadilho e anunciou para a imprensa?
Caro ministro, o senhor pode
muito, mas não pode tudo. Pode cometer a injustiça de me condenar, mas não pode
me amordaçar, pois nem a ditadura militar me calou. O senhor me condenou sem me
dirigir uma pergunta. Desconsiderou meu passado honrado, sem nenhum processo em
mais de 30 anos como parlamentar.
Moro na periferia de Osasco
há 50 anos. Trabalho desde a infância e tenho minhas mãos limpas. Assumi meu
compromisso com os pobres a partir da dura realidade da vida. Não fiz da
fortuna minha razão de existir, e as humilhações não me abatem, pois tatuei na
alma o lema de dom Pedro Casaldáliga: "Minhas causas valem mais do que
minha vida".
O senhor me condenou por
peculato e não definiu onde, como e quanto desviei. Anexei ao processo a
execução total do contrato de publicidade da Câmara, provando a lisura dos
gastos. O senhor deve essa explicação e não conseguirá provar nada, porque
jamais pratiquei desvio de recursos públicos. Condenou-me por lavagem de
dinheiro sem fundamentação fática e jurídica. Condenou-me por corrupção passiva
com base em ato administrativo que assinei (como meu antecessor) por dever de
ofício.
Por que me condenou contra
as provas documentais e testemunhais que atestam minha inocência? Esclareça por
que não aceitou os relatórios oficiais do Tribunal de Contas da União, da
auditoria interna da Câmara dos Deputados e da perícia da Polícia Federal.
Todos confirmaram que a licitação e a execução do contrato ocorreram em
consonância com a legislação.
Desafio-lhe a provar que
alguma votação tenha ocorrido na base da compra de votos. As reformas
tributária e previdenciária foram aprovadas após amplo debate e acordo,
envolvendo a oposição, que por isso em boa parte votou a favor.
Um Judiciário autoritário e
prepotente afronta o regime democrático. Um ministro do STF deve guardar
recato, não disputar a opinião pública e fazer política. Deve ter postura
isenta.
Despeço-me, senhor ministro,
deixando um abraço de paz, pois não nutro rancor, apesar de estar convicto – e
a história haverá de provar – que o julgamento da ação penal 470 desprezou
leis, fatos e provas. Como sou inocente, dormirei em paz, nem que seja
injustamente preso.
Por João Paulo Cunha
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