[Quem gerou desordem?] - Em fevereiro de 2016, o STF mudou sua jurisprudência no auge da espetacularização da Lava Jato, permitindo o cumprimento da condenação julgada em segunda instância. À época, Rosa Weber votou contra a mudança da jurisprudência.
Na última quarta-feira, 4 de abril, alguns ministros do STF disseram que respeitar a mudança aprovada em 2016 seria uma forma de reduzir o tempo do julgamento e, portanto, manter a corte brasileira alinhada às cortes internacionais (concordo), atenuando, com isso, as críticas que o país tem recebido, por exemplo, da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).
Esses ministros, no entanto, esqueceram de citar a realidade dos 40% de presos que sequer tiveram um julgamento. Essa realidade faz o sistema prisional brasileiro ser considerado um dos piores do mundo e um dos principais alvos da Corte IDH.
Se o assunto é a morosidade da justiça, a morosidade em dar um julgamento a 40% dos presos é, sem dúvida, uma das maiores violações dos direitos humanos. Logo, não se pode dizer que o STF estava preocupado com esse tema - era apenas mais um apelo midiático.
Na mesma quarta-feira, 4 de abril, a ministra Rosa Weber, com voz trêmula e uma insegurança descomunal, comparável apenas a de uma colegial lendo em público pela primeira vez, tentou recorrer a um tom mais equilibrado do que o adotado pelos seus colegas.
Weber citou referências do Direito alemão, mas na sequência resolveu contratar um trator para passar por cima de tudo o que acabara de ler, além, claro, do que pensava em fevereiro de 2016. O trator foi fundamental para que ela passasse por cima de tudo, inclusive dela mesma, e votasse contra o HC de Lula.
Na véspera desse espetáculo midiático, uns generais [não vale adjetivação, o substantivo já basta] mandaram uns recadinhos. Um deles até recorreu à metáfora medieval da espada e do cavalo e foi a público bater boca com jornalista. Isso me parece longe do princípio positivista de ordem.
Enquanto isso, alguns veículos de comunicação davam voz a comentaristas, especialistas, articulistas e editorialistas que mais contribuíam para a formação de um Fla-Flu do que para a formação de uma opinião pública lúcida - o verdadeiro sentido dos textos analíticos e opinativos [no sentido que a literatura nos ensinou].
Agora, leio e ouço alguns jornalistas dizerem que o discurso do Lula foi irresponsável, instigou o conflito e dividiu o país.
Vejam, é sobre isso que tenho escrito aqui. Não podemos simplificar os acontecimentos desta forma.
Condeno discursos coléricos e revanchistas, mas não dá para apontar o dedo em riste na direção do Lula e dizer que o discurso dele "incitou a desordem".
Pedir a ordem [morro de medo desse princípio positivista] no meio de um caos construído por diversos sujeitos e setores sociais é, sem dúvida, uma alucinação ou tentativa de se isentar de responsabilidades.
Enquanto escrevo esta postagem, ouço umas buzinas de comemoração do lado de fora. E isso diz muito sobre nós jornalistas, sobre a "nossa" frágil tentativa de dizer que fazemos um jornalismo responsável e neutro [lenda da "loira do banheiro"].
Temo, de verdade, que muitos alunos de jornalismo e muitos jornalistas profissionais não tenham estudado ou sequer lido um único livro sobre como se dá a formação da opinião pública. Infelizmente, o problema da leitura acomete uma parte dos jornalistas brasileiros, como fica evidente nessas tentativas de simplificar a leitura do mundo.
Por: Cilene Victor, Professora Universitária.
Nenhum comentário:
Postar um comentário