A mais longa série histórica
de dados sobre emprego no Brasil, realizada a 35 anos de forma ininterrupta,
corre o risco de acabar. A Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), feita pelo
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese),
chegou a cobrir nove Regiões Metropolitanas, mas agora se restringe a São
Paulo, Salvador e Distrito Federal.
O Rio Grande do Sul anunciou
este mês o cancelamento da pesquisa na sua área. E o governo federal, embora
tenha se comprometido a repassar os recursos – previstos em portaria do Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT) –, não destinou nada à PED em 2017 nem em 2018,
afirma a coordenadora da área de pesquisa do Dieese, Patrícia Pelatieri.
As razões para o
esvaziamento da pesquisa misturam as dificuldades econômicas dos Estados ao
desinteresse político em colher dados que subsidiem políticas públicas voltadas
aos trabalhadores (as). Uma perda crítica de conhecimento, especialmente quando
os cortes de direitos promovidos pela reforma trabalhista e pela crise fomentam
a informalidade, o trabalho intermitente, a migração para atividades precárias
e outras formas de degradação nas relações de produção.
“O movimento sindical
precisa ter uma pesquisa para fazer a disputa da visão hegemônica sobre a
reforma, para analisar seus efeitos sob a ótica do trabalho”, alerta Patrícia.
“Mesmo para o gestor público, na crise é quando você mais precisa de dados,
para saber qual política pública terá mais retorno, de forma mais rápida, e
onde colocar o investimento, considerando mobilidade, distribuição regional,
setores produtivos.”
A PED é um complexo
estatístico de pesquisas domiciliares, baseadas em metodologia criada pelo
Dieese e pela Fundação Seade, de São Paulo. Faz parte das políticas que compõem
o Sistema Público de Emprego Trabalho e Renda (SPETR), com previsão de dotação
orçamentária do FAT. Desde a sua criação, Patrícia lembra que a PED tem
exercido um papel de vanguarda na conceituação do mercado de trabalho
brasileiro, com maior aprofundamento na investigação das especificidades da
realidade nacional.
“Vários conceitos da PED
foram adotados pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e incorporados
nas atualizações da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, feita
pelo IBGE)”, diz ela. “A estatística oficial utilizava conceitos mais
universais que não refletem o mercado brasileiro, com uma estrutura diferente
da do europeu.”
Durante muitos anos, o
desempregado foi caracterizado nos levantamentos da PNAD e na antiga pesquisa
de emprego do IBGE (encerrada em março de 2016 e substituída pela nova PNAD
mensal) como aquele/a que tivesse procurado emprego nos últimos sete dias.
Se não o tivesse feito,
mesmo que a pessoa não possuísse ocupação nem renda, passava a ser considerada
“inativa”. Mas a partir da experiência da PED, o prazo para classificação foi
estendido para 30 dias, período incorporado também nas recomendações da OIT em
2015, durante a Conferência das Estatísticas do Mundo. “A PNAD tem uma
abrangência maior, mas não permite desagregar tanto os dados”, afirma Patrícia.
A PED também trouxe o
conceito de desemprego por “desalento”, quando a pessoa não procura emprego não
porque não precise dele, mas porque está a tanto tempo tentando sem sucesso,
que desiste de fazê-lo durante aquele período pesquisado. Essa situação,
apontada recentemente pelo IBGE, há mais de 30 anos já era analisada na
pesquisa do Dieese.
Além disso, como a pesquisa
de emprego do IBGE sofreu alterações ao longo dos anos até ser extinta, e a
PNAD também mudou sua metodologia, a PED teria a única série histórica
consistente capaz de, por exemplo, comparar a evolução do emprego nos
diferentes governos desde a redemocratização, em 1985, confrontando dados das
gestões dos ex-presidentes eleitos José Sarney (PMDB), Fernando Collor Mello
(pelo o então PRN), Itamar Franco (PMDB), Fernando Henrique Cardoso (PSDB),
Lula (PT) e Dilma Rousseff (PT).
Mesmo assim, o governo
federal contrariou portaria vinculada à legislação do FAT e não repasssou
recursos para a pesquisa em 2016 nem em 2017. No ano passado, a relatoria do
Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) destinou R$ 5
milhões para a PED. O recurso foi contingenciado e nunca liberado. E o Dieese
arcou com os custos, com verba proveniente do movimento sindical. “Não acabam
formalmente com a pesquisa mas vão minando o seu processo de realização”, diz
Patrícia.
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