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terça-feira, 27 de agosto de 2019

Reprovação de Bolsonaro salta de 28% para 53%, diz pesquisa CNT/MDA


O índice de avaliação negativa sobre o governo de Jair Bolsonaro (PSL) subiu de 19% em fevereiro para 39,5% em agosto, segundo pesquisa de opinião divulgada pela CNT/MDA, nesta segunda-feira 26.

O número de pessoas que classificam o governo como ótimo ou bom é de 29,4% dos entrevistados, um número 10% abaixo em comparação aos que consideram a gestão ruim ou péssima. A porcentagem dos que avaliam o governo como regular é de 29,1%.

O estudo também mostrou que o número de eleitores que desaprovam o desempenho pessoal de Bolsonaro é de 53,7%, quase o dobro dos 28% apresentados em fevereiro deste ano. O índice dos que aprovam o governo é de 41%, 16 pontos a menos que no início do ano, quando o presidente da República marcou 57% de aprovação.

Para 22,4%, não há nenhuma ação positiva no atual governo. Apenas 6% dizem que a gestão não apresenta nenhuma ação negativa.

Entre as piores ações do governo, elencadas pelos entrevistados, aparecem o decreto da liberação de posse e porte de armas (39,1%), o uso de comentários ofensivos (30,6%) e o contingenciamento de verbas da educação (28,2%). “Deixar os filhos darem opinião sobre integrantes e ações de seu governo” são uma queixa para 24,4%.

Por outro lado, o combate à corrupção (29,6%), a segurança (27,5%) e o fim do horário de verão (18,1%) são os principais temas em que Bolsonaro recebe aprovação em suas ações.

O instituto informa ainda que somente 36,6% têm expectativa de melhora na taxa de desemprego no País, enquanto 32,9% acreditam que a situação vai ficar igual e 28% acham que vai piorar.

Trabalhadores também parecem descrentes em relação a aumento na renda mensal: 50% acham que vai ficar igual, enquanto 16,8% acreditam que vai diminuir e 28,3% acreditam que a renda deve subir.

A pesquisa de opinião foi realizada entre 22 e 25 de agosto, com 2.002 entrevistas, em 137 municípios de 25 Unidades da Federação.

Inquisidores de Curitiba não se contentavam apenas em condenar sem provas!


A falta de respeito e o grau de crueldade cometida pelos procuradores da Lava Jato, em relação às perseguições ao ex-presidente Lula, cada dia que passa é desvendada pelas reportagens do Site The Intercept que mostra o quando o ódio e a falta de profissionalismo contaminaram as mentes e os corações dos que deveriam atuar de forma isenta no cumprimento de seus deveres.

Para os inquisidores de Curitiba, condenar e prender sem provas não eram o suficiente para satisfazer seus desejos de crueldades. Seu algoz tinha que ser humilhado e torturado psicologicamente, principalmente, ao perder um ente querido da família, como aconteceu nos falecimentos de sua esposa, irmão e neto, onde os abutres comemoravam o sofrimento alheiro, da mesma forma que os torcedores zombam da derrota do time adversário.

Os novos trechos de conversas entre eles, revelados terça-feira (27/08), que tratam sobre a morte de seus familiares, causou indignação e repulsa em Lula, que mesmo assim, mostrou que é um ser humano fantástico e que não guarda ódio e nem rancor e pediu para Deus iluminar o caminho e poupar a alma de seus desafetos, pelas injustiças cometidas contra sua pessoa.

A procuradora Laura Tessler debocha da dor e dispara o seguinte comentário: “Só falta dizer que a Lava Jato implantou 10 anos atrás um aneurisma na cabeça da mulher… Milhares de pessoas morrem de AVC no mundo… Isso faz parte do mundo real e pronto”. Em outro trecho dispara, “Ridículo… Uma carne mais salgada já seria suficiente para subir a pressão… ou a descoberta de um dos milhares de humilhantes pulos de cerca do Lula”.

Em seguida, seu chefe Deltan Dallagnol, fala sobre Lula: “Bobagem total, ninguém mais dá ouvidos a esse cara”. Ao saber da morte de Vavá, o coordenador da Lava Jato escreveu no grupo “Filhos de Januário” formado pelos procuradores: “Ele vai pedir para ir ao enterro. Se for, será um tumulto imenso”.

Entra na conversa o procurador Athayde Ribeiro da Costa: “Acho que tem que autorizar a saída. Ou, como disse um de nós, leva o morto lá na PF”. Januário Paludo dá o tom de como Lula era tratado pelos carrascos da Lava Jato: “O safado só queria passear”.

Na morte de Arthur, seu neto de sete anos, Roberon Pozzobon ironizou a reação de Lula no velório abraçado aos parentes: “É tudo uma estratégia para se humanizar, como se isso fosse possível no caso dele”.

Ao saber das indelicadas conversas, Lula ase posicionou da seguinte forma: "Foi com extrema indignação, com repulsa mesmo, que tomei conhecimento dos diálogos em que procuradores da Lava Jato referem-se de forma debochada e até desumana às perdas de entes queridos que sofri nos anos recentes: minha esposa Marisa, meu irmão Vavá e meu netinho Arthur

Confesso que foi um dos mais tristes momentos que passei nessa prisão em que me colocaram injustamente. Foi como se tivesse vivido outra vez aqueles momentos de dor, só que misturados a um sentimento de vergonha pelo comportamento baixo a que algumas pessoas podem chegar.

Há muito tempo venho dizendo que fui condenado por causa do governo que fiz e não por ter cometido um crime sequer. Tenho claro que Moro, Deltan e os procuradores agiram com objetivo político, pois me condenaram sem culpa e sem prova, sabendo que eu era inocente.

Mas não imaginava que o ódio que nutriam contra mim, contra o meu partido e meus companheiros, chegasse a esse ponto: tratar seres humanos com tanto desprezo, como se não tivessem direito, no mínimo, ao respeito na hora da morte. Será que eles se consideram tão superiores que podem se colocar acima da humanidade, como se colocam acima da lei?

Peço a Deus que ilumine essa gente, que poupe suas almas de tanto ódio, rancor e soberba. Quanto aos crimes que cometeram contra minha família e contra o povo brasileiro, tenho fé que, deles, um dia a Justiça cuidará”, escreveu o ex-presidente.


segunda-feira, 26 de agosto de 2019

O sindicato do futuro hoje: o essencial e o urgente


"Ao sacrificar o essencial pelo que é urgente, acaba-se por esquecer a urgência do que é essencial" - Edgar Morin


É urgente saber distinguir o que é essencial e, ao mesmo tempo, saber tratar adequadamente as urgências. A abordagem que deve ser buscada, para quem hoje atua e quer ser protagonista do futuro, é aquela em que o essencial orienta as estratégias do enfrentamento das urgências.

É essencial inventar o sindicato do futuro e é urgente resistir, hoje e agora, aos ataques que visam destruir o movimento sindical e a capacidade coletiva de luta dos trabalhadores. Inventar e resistir são movimentações complementares, se estiverem conectados. A resistência deve incluir a destinação de tempo, dinheiro e trabalho para o investimento na invenção do sindicato do futuro, a ser feita de maneira que consiga animar a própria resistência. O trabalho de invenção é, em certa medida, a construção de uma utopia – o sindicato que será capaz de mobilizar as lutas futuras dos trabalhadores – que precisa ser bela e forte, para ser capaz de encantar a militância sindical e colocá-la em movimento de criação e construção do novo, enquanto se resiste, aqui e agora.

Inventar significa descobrir e revelar aquilo que está encoberto: as mudanças radicais e disruptivas no sistema produtivo; as múltiplas faces da inovação tecnológica, o impacto sobre os empregos e as profissões; a transferência patrimonial do capital para acionistas ávidos por lucros exorbitantes; as novas dimensões da globalização; a flexibilização radical das relações de trabalho e da proteção laboral e social; as diferentes formas de contratação, de jornada de trabalho, de inserção no mundo do trabalho; as ocupações inseguras e flexíveis, que ganham prevalência sobre o emprego; as transformações do Estado; a transição forçada da proteção social para a assistência, da previdência para o seguro, da solidariedade para a meritocracia; do coletivo e solidário para o individualismo. Essas transformações, entre inúmeras outras, fazem emergir um mundo do trabalho que o sindicato não conhece e um trabalhador distante do sindicato. A invenção começa com a descoberta desse mundo.

Inventar significa também imaginar, elaborar e arquitetar algo que ainda não existe e, portanto, é inédito. O essencial é, descobrindo as questões acima, inventar o sindicato do futuro como o sujeito coletivo e solidário, que conduzirá a organização, a mobilização, a formação, a negociação e as lutas no contexto desse amanhã incerto, mas que gradativamente vai se fazendo presente na vida dos trabalhadores. O mundo do trabalho será muito diferente daquele que conhecemos e que deu origem ao sindicato que hoje existe. Será preciso acreditar e investir na possibilidade do insight, daquela iluminação mental que abre caminhos e é capaz de ver novas possibilidades, que arquiteta estruturas e desenha processos de criação e de produção.

Para a utopia, há antes o desafio da criação, de produzir o inédito, de gestar e de parir. Criar, no contexto social, é promover processos de transformação. O essencial é saber que a mudança estrutural do mundo do trabalho coloca o desafio de inventar o sindicato do futuro como resposta política e organizativa para gerar força, unidade e inteligência para os trabalhadores escreverem a própria história, cujo compromisso deve ser o de gerar o bem-estar e a qualidade de vida para todos.

Amarrados no presente e presos às urgências desconectadas do que é essencial, corremos o risco de sermos coveiros do atual sindicato. Olhando de maneira exclusiva e saudosista para o passado e tudo o que fizemos com sucesso, corremos o grave risco de não conseguirmos descobrir e prospectar sobre o futuro. Presos à estrutura que construímos, corremos o risco da cegueira situacional e de não vermos a transformação que brota no solo do sistema produtivo.

É urgente promover as mudanças na atual estrutura sindical e no sistema de negociação, com uma transição estrategicamente planejada e organizada, para que os trabalhadores e a atual organização e estrutura sindical sejam capazes de se inventar para esse amanhã que já nos acompanha no presente. É fundamental promover mudanças que gerem capacidade para enfrentar as adversidades presentes na negociação coletiva, na organização e no financiamento sindical.

Por: Clemente Ganz Lúcio é sociólogo e diretor técnico do DIEESE

Aldo Rebelo lança site que defende centralidade da questão nacional


Fundador do portal bonifacio.net.br, o jornalista Aldo Rebelo explica por que se engaja num projeto editorial de defesa dos valores e do interesse nacional. Sua avaliação da conjuntura é a de que o Brasil atravessa não só uma grave crise econômico-social, mas sofre uma desorientação que corrói qualquer esforço de superação das nossas dificuldades. Ex-deputado por seis legislaturas, líder do governo Lula na Câmara dos Deputados, de que também foi presidente, Rebelo ocupou os ministérios da Articulação Política no governo Lula e os do Esporte, da Ciência e Tecnologia e da Defesa nas gestões de Dilma Rousseff. Aos 63 anos, ele assegura que sua perspectiva é de fé no Brasil, confiança em seu povo e de centralidade da Questão Nacional para recolocar o País numa trajetória de desenvolvimento autônomo e democrático.

Qual o sentido de lançar um portal de defesa dos valores e do interesse nacional nesse momento?

O interesse nacional continua a ser o eixo em torno do qual gravitam as sociedades contemporâneas – em torno do interesse nacional é que as nações hegemônicas do mundo orientam suas decisões geopolíticas, suas iniciativas diplomáticas, econômicas, comerciais, financeiras, científicas, tecnológicas e culturais. O Brasil construiu o Estado Nacional, mas ainda está em processo de criar e inventar a Nação. Deu um passo importante com a Independência, na figura do patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva, o articulador, o pensador e o político que liderou a independência do nosso país. Aliás, é bom destacar que o portal tem como seu patrocinador o Instituto José Bonifácio, criado ainda em 2004. E quando estamos às vésperas dos 200 anos da Independência do Brasil, a atualidade da Questão Nacional, a atualidade do José Bonifácio de Andrada e Silva convocam a inteligência do País, as forças políticas, espirituais e intelectuais, preocupadas com a construção nacional, a estabelecer a centralidade, o primado e a prioridade da Questão Nacional como eixo para a construção de uma sociedade socialmente equilibrada, democraticamente avançada e capaz de distribuir entre os seus membros os frutos do desenvolvimento, do progresso e do esforço coletivo.

A Questão Nacional é de fato uma ideia-força nesse tempo de globalização, em que o mais importante para um país emergente parece ser inserir-se competitivamente na economia global?

Duas observações: a primeira é que essa própria globalização, a globalização financeira, a globalização tecnológica surge do interesse das grandes nações hegemônicas do mundo. Claro que se apoia no desenvolvimento da ciência, da tecnologia, dos meios de comunicação, mas tem como origem o interesse nacional de países fortes. E a outra observação é que o país que alcançou o maior sucesso no seu processo de inserção internacional, a China, o fez a partir do seu interesse nacional pelo seu desenvolvimento, pelo bem-estar da sua população. A Muralha da China é uma atração turística, ela não funciona para separar os interesses do mercado dos interesses do Estado na sociedade chinesa.

Aliás, a China é o país que mais distribui renda, que mais aumenta salário, que mais produz bilionários. É o país onde o Estado tem mais presença e mais força para disciplinar a vida econômica e social. E ao mesmo tempo, o país onde os instrumentos de mercado têm alcançado maior êxito na busca desses objetivos, ou seja, ali funciona o princípio bíblico: ao mercado o que é do mercado e ao Estado o que é do Estado. O mercado se apoiando nos instrumentos de Estado para alcançar seus objetivos. E o mercado também como parte dos interesses da sociedade chinesa, ou seja, dos interesses comuns. No Brasil nós fabricamos artificialmente essa contradição, transformamos um conflito natural numa contradição antagônica. Como se o mercado fosse uma ameaça ao Estado e o Estado fosse o elemento que iria impedir ou dificultar as ações do mercado. Acho que o Brasil precisa de um Estado forte para cumprir seus objetivos, e precisa estimular as ações de mercado para gerar renda, emprego, divisas, trabalho para a população.

Essa globalização está sofrendo uma retificação atualmente, a partir da política do presidente Trump nos Estados Unidos e do reforço das defesas na Europa? Agora mesmo a Alemanha anunciou que vai reforçar a defesa da sua indústria.

É que a globalização financeira, essa globalização cibernética como poderíamos chamar, que sucedeu a outras etapas de globalizações anteriores, como a globalização a vela promovida por Portugal e Espanha nos séculos XV e XVI, a globalização da máquina a vapor da Revolução Industrial, a globalização do petróleo, esta última ganhou força numa operação ideológica, política e geopolítica, que foi o fim da União Soviética. E ela nasceu como uma grande promessa, como uma grande esperança de gerar um mundo de maior progresso, de mais bem-estar, mais pacífico e de mais democracia. Esses objetivos e promessas foram frustradas. A verdade é que o mundo não conheceu mais bem-estar, as ameaças de conflitos raciais, nacionais, étnicos mais do que nunca estão presentes. E a democracia parece ameaçada por esses distúrbios que o mundo vai conhecendo. Eu acho que isso gerou uma crise de confiança, de credibilidade nas promessas da globalização. Agora mesmo, ao celebrar seus 200 anos, a revista liberal Economist lançou um grande manifesto em que propõe de fato uma linha de retificação. Reconhece que a globalização só produziu efeitos positivos para as atividades financeiras. E que isso gerou crise no mundo inteiro, países quebraram e até os Estados Unidos enfrentaram uma crise bancária e financeira de grande envergadura. Isso tudo gera questionamentos e propostas de retificação.

Como vê o fato de o presidente de um país como a China, que tem um projeto nacional muito bem definido, vá ao Fórum de Davos defender a globalização, e presidente dos Estados Unidos, que representa um país que a rigor criou todos esses grandes mecanismos da globalização, vá a esse mesmo fórum falar contra a globalização?

A China alcançou grandes benefícios com a globalização. A sua economia foi altamente internacionalizada, sem que ela perdesse o controle do processo. Ela criou recentemente uma iniciativa em torno daquela rota e do cinturão para se integrar comercialmente com todo mundo. Eu acho que isso terminou assustando de certa forma os Estados Unidos. Ou seja, é uma grande ambição, um projeto muito ousado. A China se beneficiou ou se beneficia há muito tempo do processo de troca.

Foi com a abertura dos Estados Unidos para a China, na época do presidente Richard Nixon, que apareceu a grande oportunidade de aquele país adquirir tecnologia que não conhecia e nem dominava em algumas áreas, inclusive de serviços. Esse esforço continuou, e hoje acho que os americanos devem ter chegado à conclusão de que chega, basta. Ou seja, o desenvolvimento tecnológico da China, principalmente na área de tecnologia da informação, pode ser visto pelos americanos como uma ameaça.

Então a China que conheceu nessa fase taxas de crescimento elevadas, não só econômicas, mas também conquistas científicas e tecnológicas, como resultado desse processo, evidentemente vai se defender. Acho que os Estados Unidos passaram a ver isso como uma ameaça, e aí a reação aparentemente inesperada e vista como desastrada do governo Trump, que apresentou um projeto de remanufatura, de reindustrialização.

E de proteção das suas empresas de alta tecnologia, que são as maiores do mundo, diante da chegada das grandes empresas e das gigantes chinesas. Não é por acaso que um dos alvos dessa ofensiva dos Estados Unidos é exatamente a gigante chinesa Huawei. Então os Estados Unidos, que começaram como os grandes protagonistas da globalização, se julgam hoje numa posição defensiva e reagem.

Mas você acha que esses movimentos antiglobalização que estão acontecendo em diversos lugares do mundo, e em geral protagonizados por forças conservadoras, fazem algum sentido? Ou seja, é possível como o próprio ministro das Relações Exteriores do Brasil tem colocado, reverter o processo de globalização?

Não sei como vai se reverter um processo de globalização. Como é que você poderia reverter o processo da globalização a vela promovida por Portugal e Espanha? Como é que se reverteria o processo de globalização promovido pela máquina a vapor, pela marinha mercante a vapor? Pelas ferrovias, pelo telégrafo? E hoje pela eletrônica, pela cibernética?. É difícil. O problema é administrar quem ganha e quem perde com isso. Eu acho que a reação das pessoas não é contra a globalização, mas contra os efeitos da globalização no emprego, no salário, na economia dos países. As pessoas se sentem excluídas, ou seja, o movimento tornou-se excludente.

E quando as forças chamadas progressista ou de esquerda não assumem a defesa dos interesses dos seus trabalhadores, das suas nações, forças conservadoras assumem. E o povo vai atrás, porque se sente representado por elas. Não é por acaso que uma parte dos votos do Partido Comunista Francês migrou para essas correntes de direita, porque elas passaram a defender a França, a economia da França nesse movimento recente dos coletes amarelos Forças de esquerda diziam que o movimento dos coletes amarelos era fascista porque cantava o hino nacional e usava a bandeira francesa.

Aqui, durante a eleição do Bolsonaro, não teve gente que dizia que não era para vestir verde e amarelo, porque são cores da direita? Você não pode deixar que os símbolos nacionais, que a identidade nacional, que os interesses nacionais se transforem em apanágio de ideologias de direita, como tem acontecido. Você tem que deixar claro o que é o interesse nacional. Nessa etapa histórica da existência das nações não se pode deixar de defender o interesse nacional. Não é apenas o território, a economia, o emprego, a cultura, o idioma, a memória, a história. Acho que uma parte da esquerda embarcou em uma outra globalização, como se as lutas nacionais não fizessem mais sentido: a globalização dos povos, e isso sinceramente é uma coisa falsa.

Você defende a centralidade da Questão Nacional, mas como é possível pôr ou repor essa centralidade na agenda do Brasil?

O Brasil viveu em torno da Questão Nacional conflitos recorrentes. Na primeira iniciativa, com a Independência, o próprio José Bonifácio de Andrada e Silva concebeu um projeto nacional de desenvolvimento econômico, de industrialização do Brasil, de emancipação dos escravos, de integração dos índios, de convivência pacífica com os vizinhos, de política externa independente. E foi derrotado. O Brasil viveu durante as décadas da Regência e do Segundo Reinado um processo de estagnação.

Uma nova tentativa veio acontecer com a Proclamação da República, quando houve também o esboço de colocar no centro da construção do País a centralidade da Questão Nacional. Primeiro, no governo do Deodoro, em seguida no de Floriano. A gestão de Rui Barbosa no Ministério da Fazenda concebia um projeto de industrialização do Brasil, mas esse projeto também foi derrotado. E só foi retomado com êxito em 1930, no clico do presidente Getúlio Vargas.

Mais adiante esse processo foi novamente abortado. Mesmo não sendo um projeto nacionalista, o governo de Juscelino também sofria muitas pressões de setores entreguistas e antinacionais. Isso deu em 1964, que foi também o período de muita contradição. O governo Geisel tinha gestos e iniciativas nacionais, mas, encerrado o seu período, o sucessor Figueiredo deu por fim o período militar. O governo Lula também era um governo de contradição, ou seja, a Questão Nacional era abordada, mas não se revestiu de centralidade, era a questão social que predominava.

O Brasil continuou num processo de desindustrialização, de perda de capacidade científica e tecnológica. No governo Dilma essa contradição continuou. O governo Bolsonaro também não tem como foco, como objetivo a Questão Nacional. Então a centralidade da Questão Nacional resta como um desafio dos patriotas, das forças nacionais, que têm que trabalhar em todo o terreno onde a possibilidade se apresenta: na política, no plano intelectual, onde for possível. É esse o nosso desafio.

Mas você identifica uma situação de desorientação generalizada no Brasil, tal qual apontou de um manifesto à nação que lançou no ano passado. Isso continua? Como se pode superar essa desorientação?

A desorientação continua. Aliás, acho até que essa desorientação se agrava. Ou seja, o País vai se dividindo em torno de uma agenda absolutamente secundária e perde o rumo em coisas importantes da nossa tradição, da nossa memória. Tomemos apenas dois exemplos, no caso da política externa. O governo avança para uma aliança quase que unilateral como o nosso vizinho de hemisfério mais importante, que são os Estados Unidos da América. O ministro das Relações Exteriores se declara admirador do presidente Trump e se coloca a serviço da geopolítica dos Estados Unidos, desprezando a nossa história e a nossa Constituição.

O artigo quarto da Constituição, por exemplo, estabelece que o Brasil se rege por alguns princípios, entre eles: o da independência nacional, o da autodeterminação dos povos, ou da não intervenção, o da igualdade entre os Estados, a defesa da paz, a solução pacífica dos conflitos. Diz ainda que o Brasil buscará integração econômica, política, cultural com os povos da América Latina, visando à construção de uma comunidade latino-americana de nações. Aliás, esse artigo quarto está lá na parede da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados. Foi fixado quando o deputado Franco Montoro, que era um latino-americanista, presidiu à Comissão.

José Bonifácio esboçou isso no Manifesto da Independência que ele escreveu e foi lido por Dom Pedro no dia 06 de agosto de 1822, dedicado às nações amigas. De certa forma ele foi um precursor também do Mercosul?

José Bonifácio é considerado o avô da nossa diplomacia, o primeiro a conceber a chamada política externa independente. Ele deu essa orientação para os representantes do Brasil nas legações de todo mundo, da Inglaterra à Argentina. Depois foi seguida pelo barão do Rio Branco, que solucionou pacificamente nossas demandas de fronteira com os vizinhos. Com a França, o Peru, a Argentina, com todos eles nós encontramos soluções pacíficas, baseadas na arbitragem.

Aliás, há um texto do Gilberto Freire de 1963 intitulado Brasil, destino de um país mediador, que diz que o Brasil tem essa vocação. Ou seja, o Brasil está destinado a ser mediador dos grandes conflitos civilizatório do mundo, por ser uma nação-síntese. Aqui está presente a civilização portuguesa, a indígena, a africana. Depois nós recebemos as influências dos asiáticos e outros europeus. Essa vocação agora está sendo abandonada por um Itamarati que passou a desprezar toda nossa memória, tradição e história.

O Brasil sempre foi um país ouvido com atenção no mundo das relações externas. Nós perdemos esse protagonismo, diminuímos de tamanho perante o mundo, e a diplomacia brasileira diminuiu de tamanho dentro do próprio país. A doutrina de política externa foi incorporada pela doutrina de defesa. A Política Nacional de Defesa, aprovada pelo Congresso, já na introdução estabelece que o Brasil privilegie a paz, defenda o diálogo, a negociação para a solução de controvérsias. Estabelece como princípios a solução pacífica das controvérsias, o multilateralismo, a integração sul-americana. A Constituição, no artigo quarto, fala da integração latino-americana. A Política Nacional de Defesa fala de integração sul-americana. Por que? Por que leva-se em conta que temos 17 mil quilômetros de fronteiras, com 10 vizinhos.

Vejamos o caso da Venezuela. Nós temos 2.200 quilômetros de fronteira com aquele país, uma linha maior do que a distância entre São Paulo e Salvador. Nessa área há reservas indígenas demarcadas, tribos binacionais que transitam entre os dois países. Onde está presente também o risco de ilícitos internacionais.

O que é que aconteceu? Numa reunião em Lima o Itamarati simplesmente, sem avisar o Ministério da Defesa, cancelou toda a cooperação militar entre o Brasil e a Venezuela, anulando a diplomacia de defesa. A diplomacia de defesa e seus adidos militares existem porque um incidente na área comercial tem uma consequência limitada, alcança apenas os interesses comerciais. Mas um incidente na área militar pode ter consequências graves e imprevisíveis, por isso é que existe essa diplomacia de defesa. E a Política Nacional de Defesa estabelece exatamente a necessidade de a diplomacia militar operar junto com a diplomacia tradicional, para evitar esse risco.

Então esse é o testemunho, essa é a demonstração da nossa desorientação, da nossa incapacidade de perceber o que é importante para Brasil. Claro que há alcance em outros episódios; as declarações da ministra responsável pelos Direitos Humanos criam também um nível de confusão muito grande. Então a sociedade vai sendo polarizada em torno dos debates secundários. O Brasil vai se tornando, a partir de uma doutrina, de um pensamento importado das universidades dos Estados Unidos, numa nação bipolar, dispersando inclusive a nossa herança mestiça, a nossa herança indígena e africana…

Está falando das lutas identitárias?

…lutas identitárias que nós importamos, ou seja, nós estamos transformando o Brasil em um país de brancos e negros. Está em curso um genocídio cultural do mestiço, da identidade da mestiçagem no Brasil. Se você for olhar, nesse país a flora, a fauna, sobrenomes de famílias, nomes das ruas, de acidentes geográficos são marcados pela presença indígena, pelo tupi…

…os nomes da flora e da fauna são majoritariamente de origem tupi…

…Isso, e muitos de famílias –Tamandaré, Tupinambá, Tibiriçá, Tocantins, Guarani, Caiová, etc. –sobrenomes indígenas. Tudo isso deixou de fazer sentido no Brasil, para a Academia, para os meios de comunicação, para setores da esquerda, porque o Brasil virou um país bicolor. É esse o conceito que nós importamos da América. …Caboclos ou mamelucos construíram o Brasil nas costas. O povo é mestiço por excelência, mas essa qualidade está sendo desdenhada pela bipolaridade racial importada… Isso também é parte da desorientação.

Essa última resposta suscita duas questões. Primeira, como o Brasil deve se comportar nessa crise da Venezuela?

O Brasil deve se comportar orientado pela sua vocação de país mediador. Nem no conflito envolvendo as FARC na Colômbia, que era uma organização fora do Estado, nem ali nós tomamos uma posição como a que assumimos no caso da Venezuela. Ou seja, há na Venezuela um conflito institucional entre o parlamento, a Constituinte, a Suprema Corte, a Procuradoria da República, o Poder Executivo, o Judiciário – e o Brasil resolveu tomar partido.

A Venezuela virou um palco de disputa de uma nova guerra fria, por conta da grande bacia energética, a maior bacia de petróleo do mundo que está sob sua guarda. E com os interesses dos Estados Unidos e de outras potências o Brasil resolveu assumir um lado. Nós mediamos guerras e conflitos entre o Peru e o Equador, por exemplo, mas agora abandonamos esse papel, somos parte do conflito numa área de grande interesse. Se houver ali um conflito internacional, quem garante que ele não pode migrar para o território brasileiro, numa área de 2.200 quilômetros de fronteira, com baixa densidade demográfica e pequena atividade econômica?

Corremos o risco de uma imigração massiva, por exemplo?

Entre outros riscos, e esse já começou. Aliás, por falar em diplomacia de defesa, diplomacia fez o general Zenildo Zoroastro de Lucena, ministro do Exército do governo Fernando Henrique, quando batizou com o nome do Simón Bolívar um Batalhão de Engenharia de Roraima. Recentemente, o então ministro da Defesa Silva e Luna atravessou a fronteira para encontrar-se com o ministro da Defesa da Venezuela e tratar da crise migratória na fronteira. É isso que o Brasil precisa fazer. E não ser porta-voz da ala radical do Partido Republicano dos Estados Unidos, ou de outros interesses embutidos nesse conflito com a Venezuela.

E qual seria a solução interna da própria Venezuela resolver a crise?

Cabe à Venezuela escolher. Nós temos no mundo inteiro situações institucionais muito difíceis. No Egito, na Arábia Saudita, no Iémen, na Líbia, na Síria…. E o Brasil tem que se orientar pelo que diz a Constituição e a Política Nacional de Defesa.

E quanto às propostas da União Europeia e Rússia, Uruguai e México de se fazer uma mediação?

Eu acho que o México e o Uruguai apontaram uma solução mais adequada, ou seja, que a oposição e o governo da Venezuela encontrem um caminho para pôr fim ao impasse. E nós podíamos fazer um esforço nesse sentido, e não dizer que temos lado.

A outra questão suscitada, que voltou à ordem do dia com mais força, é : como o Brasil deve se relacionar com os Estados Unidos?

Deve ser uma relação de cooperação, de confiança, de amizade, de respeito. Considerando que há disputa, ou seja, são duas nações cujos interesses nem sempre vão coincidir. Eu vi recentemente o comandante da Marinha dizer que o Brasil participou de três guerras ao lado dos Estados Unidos, porque ele considerou a guerra fria, e que deveria provavelmente se preparar para participar da quarta. É uma avaliação unilateral.

 É verdade que lutamos junto com os Estados Unidos durante a Segunda Guerra. Antes disso, Estados Unidos apoiaram o esforço de construção da República no Brasil. O marechal Floriano Peixoto comprou e artilhou uma esquadra dos Estados Unidos para enfrentar o bloqueio naval do porto do Rio de Janeiro. O grande poeta Walt Whitman saudou com um belo poema a proclamação na República do Brasil, fazendo alusão ao encontro das duas constelações, que são as estrelas da bandeira americana e da bandeira do Brasil.

Quando Frei Caneca foi fuzilado, ao dele foi fuzilado um cidadão americano, pois havia uma participação aberta dos Estados Unidos na Confederação do Equador. Aliás, com a possibilidade inclusive de envio de armas, de apoio diplomático à Confederação do Equador. Em 1964 o governo americano cogitou de uma intervenção aberta no Brasil, por meio de uma esquadra que estaria disposta a promover a intervenção, caso a queda do governo João Goulart não se consumasse. Dois marinheiros americanos cruzaram e fizeram uma navegação pelo Rio Amazonas no século dezenove.

Aliás, há uma carta do Dom Pedro II à condessa de Barral, dizendo que não ia permitir a abertura da navegação do Amazonas, exatamente receoso da instalação de possessões, de postos militares na bacia do Amazonas por parte de potências estrangeiras, como a Inglaterra e os Estados Unidos. Na crise do Acre, já em pleno século XX, uma canhoneira americana singrou a bacia do Amazonas em busca do Rio Branco e chegou a Manaus.

O comandante da canhoneira, que não conhecia a navegação do Amazonas, deu nacionalidade a dois práticos amazonenses que juraram a bandeira dos Estados Unidos, para conduzir a canhoneira pela calha do Rio Amazonas. Então temos uma história conflituosa. O presidente Geisel denunciou o acordo de cooperação militar com os Estados Unidos, o que levou o governo Carter a enviar a dona Rosalynn Carter para iniciar o processo de isolamento dos militares no Brasil.

Não é possível, portanto, fazer concessão unilateral aos interesses americanos. Até isenção de visto querem conceder, sem reciprocidade aos brasileiros. Devemos ter todo o interesse em manter uma relação de cooperação, de amizade com os Estados Unidos. São os nossos vizinhos mais importantes de hemisfério, mas precisamos ter consciência de que nem sempre os interesses dos dois países coincidem. Disputamos, por exemplo, o mercado mundial de comodities agropecuárias, e eles não são concorrentes tão leais…escalam suas ONGs ambientalistas para conspurcar nosso agronegócio.

Mas o Brasil deve ter como questão de princípio irrevogável a desmilitarização do nosso subcontinente. Não podemos admitir uma base americana em nenhum país da América do Sul. O que impediria que, sendo construída uma base americana, não fosse construída em outro país uma base chinesa, uma base russa? Isso para o Brasil seria um constrangimento muito grande.

Então o antiamericanismo seria uma doença infantil do nacionalismo?

Não podemos ser antiamericanos, não temos porque. Ou seja, o Brasil tem até uma certa admiração pela história, pela construção dos Estados Unidos. Já os republicanos admiravam o esforço de construção nacional. Nós acompanhamos a cultura dos Estados Unidos, dos seus escritores, do seu cinema, sua música. Isso é uma relação de respeito entre os povos, entre grandes virtudes na construção dos Estados Unidos. Mas há também o interesse do império, o interesse da superpotência.

Aliás, em 1903 a Inglaterra, Alemanha e a Itália impuseram um bloqueio à Venezuela por conta do não pagamento de dívidas. E quando a Venezuela tentou reivindicar a doutrina Monroe, aquela da “a América para os americanos”, os Estados Unidos disseram: “Não, não se aplica nesse caso. Para pagamento de dívida a doutrina Monroe não se aplica. Só se aplicaria se houvesse uma ameaça de recolonizarão de algum país da América Latina”. E o ministro das Relações Exteriores da Argentina, acho que era Luís Maria Drago, disse: “Não, se aplica sim. Nós não podemos admitir intervenção militar em nenhum país por conta de dívida. No caso de dívida tem que ser buscada uma solução pacífica, negociada”.

E a Guerra das Malvinas? Os Estados Unidos apoiaram a Inglaterra abertamente. Uma posição diferente da do Brasil, que não permitiu que a sua diplomacia e as suas Forças Armadas oferecessem suporte para a intervenção inglesa. Eu fui ministro da Ciência e Tecnologia, ministro da Defesa, do Esporte, presidente da Câmara, e em todos esses momentos procurei estabelecer relações de cooperação e de alto nível com as autoridades dos Estados Unidos. E digo que sempre fui bem-sucedido, foi uma experiência muito cooperativa. Agora, sempre tive consciência das contradições e dos conflitos que envolvem essa relação.

Você diz que as principais rupturas na história do Brasil se deram com a união de forças heterogêneas. Pode explicar isso?

O Brasil é um país com muitos contrastes, desequilíbrios e desigualdades. O denominador comum para remover os obstáculos nos momentos de crise é a reunião de forças heterogêneas. Por que? Porque nenhuma força determinada nenhum conjunto de forças do mesmo campo tem condições de empreender sozinha as transformações profundas que de que o Brasil necessita. É necessário ampliar o arco e reunir forças de diferentes nuanças ideológicas.

Se quisermos tomar um episódio remoto, vamos à luta pela expulsão dos holandeses do Nordeste no século XVII. Houve ali a primeira reunião de forças heterogêneas. Ao lado dos generais das Coroa portuguesa, como Matias de Albuquerque, lutaram os fazendeiros, liderados por João Fernandes Vieira, o terço dos índios, comandado pelo grande general Filipe Camarão, o índio Poti, e o terço dos negros libertos, de Henrique Dias – todos abençoados pelo padre Antônio Vieira. Até o bandeirante Raposo Tavares foi de São Paulo à Bahia lutar contra os holandeses.

Essa aliança tornou possível que um exército de guerrilheiros derrotasse uma força militar tradicional, mais bem treinada e equipada, de uma grande potência na época. A aliança heterogênea derrotou os holandeses, marcando aquilo que o Gilberto Freire diz: naquele momento o Brasil escolheu ser um só e não vários. Foi ali que foi feita a escolha. Para Barbosa Lima Sobrinho, foi nosso primeiro movimento nativista.

E aquele mesmo general Zenildo Zoroastro de Lucena – pernambucano, ministro do Exército do governo Fernando Henrique, que batizou com o nome do Simón Bolívar um batalhão de Roraima –, criou o posto de fundadores do Exército para aqueles três generais, Fernandes, Poti e Henrique. Os fundadores do Exército Brasileiro são os brancos, os índios e os negros que lideraram a guerra contra os holandeses, gênese da mestiçagem de nossa população.

Na Independência também houve uma aliança muito heterogênea, de setores conservadores e progressistas. A aliança se repete na Abolição e na proclamação da República, quando fazendeiros de São Paulo uniram-se a militares positivistas e ainda com os republicanos radicais do Rio de Janeiro, a classe média, os trabalhadores da época.

A Revolução de 1930 foi outra aliança heterogênea, quando um grande estancieiro do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, liderou forças urbanas e militares num processo de retomada da construção nacional. Houve também alianças heterogêneas em 1964, desta vez para um retrocesso democrático. E a aliança heterogênea que redemocratizou o país em 1984.

A sua proposta é reunir hoje forças heterogêneas para tirar o país dessa desorientação e promover o desenvolvimento?

Não há outro caminho. As nossas experiências mais bem-sucedidas são as de união de forças heterogêneas. O governo Lula não era uma união dessa natureza? Que era o vice-presidente José Alencar, senão um grande industrial, presidente da segunda principal federação de indústria do País. a de Minas Gerais? Havia também uma estrela do agronegócio, Roberto Rodrigues. Outro, o Furlan na Indústria e Comércio. Era essa a aliança do governo Lula. Embora não tivesse a centralidade da Questão Nacional, era uma aliança ampla. Novamente, a retomada do Brasil, o relançamento do Brasil num projeto nacional, autônomo, democrático e socialmente avançado só é possível com uma aliança de forças heterogêneas.

Como é possível fazer essa aliança num país com tanta desigualdade?

Quando o País fez no passado essas alianças heterogêneas era ainda mais desigual do que hoje. A aliança se faz inclusive para remover essas desigualdades. Por que pressupõe múltiplas concessões entre os seus integrantes, ou seja, o país precisa se desenvolver e isso é um interesse dos empresários, dos industriais, dos fazendeiros, mas é também interesse dos pobres.

Desenvolvimento gera emprego, expectativa e esperança de progresso. O fruto desse desenvolvimento tem que ser distribuído de maneira equânime. O desenvolvimento é um fator de estabilidade institucional, ajuda a consolidar a democracia. Então acho que a Questão Nacional pode gerar esperança, senão para todos, para quase todos.

Mas as nossas chamadas elites têm a compreensão e podem vir a ter a determinação de participar desse movimento?

Já tiveram em algum momento, em outros não tiveram. Na época da Independência não havia quem representasse ou quem fosse a expressão mais elevada dessa elite que o José Bonifácio, porque era educado, era rico, era branco, era culto. Ele foi a cabeça desse processo. A Abolição e a República também tiveram uma participação importante de setores da elite, principalmente da burguesia cafeeira de São Paulo. Em 1930, foi, como disse, um Getúlio representante da elite agrária do Rio Grande do Sul. Mas houve momentos em que essa elite se desorientou e trabalhou contra os interesses nacionais.

E as forças políticas organizadas, elas se engajariam num movimento dessa natureza?

Algumas estão desorientadas completamente. Há uma direita que olha para Miami como se aquilo fosse o destino manifesto, um paraíso. E há uma parte da esquerda que olha para Nova Iorque, para as políticas identitárias e multiculturalistas. Mas existe um ambiente de muita fertilidade na sociedade brasileira, na intelectualidade, setores dos trabalhadores, do movimento sindical, das igrejas e do empresariado, que julgam que a Questão Nacional é decisiva.

Você tratou de passagem, mas a pergunta é indispensável: como vê o governo Bolsonaro?

O governo Bolsonaro é o resultado da desorientação do País, da crise que atingiu as instituições políticas, e a política como expressão e como forma da democracia do País. Portanto padece dos conflitos inerentes a esse tipo de processo, ou seja, sempre que se juntam forças heterogêneas sem um objeto claro, quando o objetivo é apenas eleitoral, apenas derrotar um adversário, mas não há um programa, não há um projeto, e é esse o caso, isso imediatamente vai estabelecer um conflito.

Existem setores liberais, operadores do sistema financeiro com grande influência no governo, que têm interesse apenas em privatizar, em reduzir o papel do Estado, em reduzir custos. E ao mesmo coexistem setores militares, representando uma instituição de Estado. Força Armada é uma instituição de Estado, só faz sentido se existir Estado. Se não existir Estado, qual o sentido de Forças Armadas? Para quê?

Há um partido criado para apoiar o presidente da República que vive em conflito, se comporta no governo como se estivesse na oposição. Já vivemos essa aliança em outros momentos, entre militares positivistas e setores liberais. Vivemos também em 1930. Aliás, é interessante notar que o governo que mais fortaleceu o Estado no Brasil, o de Getúlio, chegou ao poder por um pacto que se chamava Aliança Liberal.

Depois essa aliança formou-se novamente para derrubar o presidente João Goulart e instituir o governo militar, outra vez entre militares e liberais. Depois os liberais se aliaram com a esquerda para derrotar os militares em 1984. E agora se juntaram de novo contra o PT, contra a ameaça de eleição do Lula. O conflito decorrente da falta de um objetivo maior já se estabeleceu, ou seja, o governo mal começou e o desentendimento está aberto.

Existe desorientação, por exemplo, entre a área de política externa e a doutrina dos militares. Não se pode admitir que o ministro da Defesa do Brasil recentemente, no governo Temer, tenha atravessado a fronteira para ir conversar com o ministro da Defesa da Venezuela, e meses depois o ministro das Relações Exteriores proclame que o governo da Venezuela é um inimigo a ser abatido. Há conflito entre as declarações do ministro sobre a China e a contradita do vice-presidente da República. Conflito sobre a relação com os árabes. O ministro diz uma coisa, o vice-presidente da República, que é um militar, diz outra. Além dos outros desentendimentos mais no plano institucional, partidário, congressual. Então é uma situação complicada.

Para encerrar: é fácil observar que na sua trajetória mantém-se uma fé inquebrantável no Brasil. Você nunca se decepciona, nunca pensa em desistir?

Não. Muitas vezes me decepcionei, mas sigo o conselho do ensaísta e poeta mexicano Alfonso Reyes, que serviu no Brasil nos anos 1930 como embaixador: devemos nos mirar no comportamento dos marinheiros durante a tempestade. Temos de olhar na linha do horizonte. Nos momentos de tormenta o marujo não pode olhar para o casco do navio, senão se embriaga, fica mareado, se desorienta. Então nós temos que olhar na linha do horizonte. O Brasil é um país com grandes qualidades civilizatórias, grandes virtudes.

Um sociólogo americano que esteve aqui durante o regime militar, quando não havia liberdades políticas, partidária, de imprensa, observou o seguinte: era o país com a maior promessa de democracia do mundo. Exatamente porque essa promessa de democracia nascia da nossa origem, do nosso processo civilizatório, da nossa miscigenação. Não é a coisa é do sangue, é da cultura. Então eu vejo o Brasil com otimismo, um otimismo crítico, mas muito otimismo. Olho para o mundo e não vejo um país destinado a dar mais certo do que o Brasil. Não estou dizendo nenhuma novidade, apenas reproduzo as visões proféticas de um Gilberto Freire.


segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Desigualdade sobe, e pobreza chega a 23,3 milhões de pessoas


O Brasil vive o mais longo período de aumento de desigualdade da sua história, com crescimento da concentração de renda há 17 trimestres, segundo estudo do economista da FGV Social Marcelo Neri. O levantamento mostra ainda que o número de pobres cresceu no país e chegou a 23,3 milhões em 2017, dado mais recente. São pessoas que vivem com menos de R$ 233 por mês.

O desemprego elevado, que ainda atinge 12 milhões de pessoas, é a principal causa para a alta da desigualdade. A dificuldade de encontrar uma vaga prejudica ainda mais os jovens. A renda do trabalho dos brasileiros com idade entre 20 e 24 anos encolheu 17% entre o quarto trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2019, diz o estudo.

Se considerados, além dos desempregados, as pessoas que desistiram de procurar emprego diante da dificuldade de encontrar uma vaga, trabalhadores que fazem uma jornada semanal inferior a 40 horas e gostariam de trabalhar mais, e pessoas que procuraram vaga mas não estavam disponíveis para começar por razões diversas, como não ter com quem deixar o filho, é possível dizer que falta trabalho para 28,4 milhões de brasileiros.

Esse grupo ficou estável em relação ao começo do ano, mas cresceu na comparação com o segundo trimestre de 2018, em 923 mil pessoas. O número de desalentados, aqueles que desistiram de procurar vaga por falta de esperança, foi estimado em 4,9 milhões de pessoas.

A desigualdade de renda no Brasil aumentou nos últimos 17 trimestres – 51 meses – consecutivos e deu início ao maior período já documentado no país, de acordo com o estudo do economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Na avaliação do diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, essa alta é resultado da política econômica do governo, desde o impeachment de Dilma Rousseff.

“O país voltou a ter políticas econômicas que aumentam a desigualdade, principalmente por conta do desemprego e uma situação precária do mercado de trabalho. Tudo isso converge nesse resultado”, explica Clemente, à Rádio Brasil Atual, ao relacionar a elevação da pobreza com o aumento do desemprego.

Segundo o estudo, nem mesmo em 1989, que constitui o nosso pico histórico de desigualdade brasileira, houve um movimento de concentração de renda por tantos períodos consecutivos. Durante os últimos17 trimestres – desde o início de 2015, quando os derrotados nas eleições de 2014 começaram a passar por cima do resultado das urnas –, a renda da metade mais pobre da população caiu cerca de 18%, somente o 1% mais rico teve quase 10% de aumento no poder de compra.

“Esse crescimento também elevou a pobreza, tínhamos 8,4% da população vivendo em estado de pobreza, agora são 11,2%. Temos 23 milhões de pessoas vivendo em situação de pobreza. Nesses quatro anos, perdemos o que construímos e ganhamos durante uma década, quando o Brasil foi considerado um exemplo de país na redução de pobreza, mas interrompido com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff”, afirmou o diretor técnico do Dieese.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

É urgente gestar o sindicato do futuro...O sindicato de hoje não é a organização que produzirá a resposta dos trabalhadores para esse novo sistema produtivo


As empresas estão mudando a estrutura e a organização do sistema produtivo. A propriedade empresarial vai passando para novos acionistas, que estão ávidos pelo máximo lucro. Para isso, terceirizam riscos e custos. Novas tecnologias para a energia, a comunicação e o transporte criam condições inéditas para uma outra concepção de cadeia produtiva, de logística e de localização. O custo hora de um metalúrgico europeu é 25 vezes maior do que o de um metalúrgico argelino.

A inteligência artificial e a internet geram a possibilidade, em velocidade alucinante, de as máquinas ocuparem cada vez mais espaços nas atividades produtivas e passam a transformar em atividades econômicas todas as atividades humanas. A industrialização transforma, potencialmente, todas as atividades humanas em produção econômica e consumo.

Rapidamente, todas as atividades laborais passam a ser mediadas ou assistidas por máquinas e inteligência artificial. Em breve, e cada vez mais, as máquinas substituirão as atividades humanas e os humanos vão auxiliá-las.

As empresas, em velocidade estonteante, disputam mercados e aceleram mudanças para competir e ganhar o jogo da concorrência! Para isso, domínio da vanguarda tecnológica, velocidade e intensidade na redução de custos laborais. Máquinas no lugar de gente, sem custo e sem resistência.

A legislação trabalhista muda para proteger as empresas, assegurando que as mudanças ocorram sem que haja passivo trabalhista, sem mediação coletiva do sindicato. Formas flexíveis de contrato, jornada e remuneração, redução dos direitos dão às empresas a possibilidade de ajuste estrutural da força de trabalho para promover a presença crescente da máquina.

O novo sistema produtivo emerge no atual velho mundo e ganha dominância. Os sindicatos são sujeitos coletivos que nasceram e fizeram história nesse sistema produtivo que definha, morre e, ao mesmo tempo, se transforma. Os sindicatos que conhecemos definharão e morrerão junto com esse sistema produtivo.

Mas não é só isso. Os sindicatos devem ser intencionalmente colocados fora do jogo social para não atuarem e disputarem essa mudança econômica. O mundo do trabalho deve ser flexibilizado no limite do necessário, sem resistência. A lógica dominante é sair do emprego para o trabalho, da proteção social para o assistência, do direito para o mérito. Há um novo jovem trabalhador sendo ideologicamente formado, avesso ao outro e à solidariedade, individualista e sem utopia para o futuro.

O sindicato de hoje não é a organização que produzirá a resposta dos trabalhadores para esse novo sistema produtivo; os dirigentes atuais não conhecem esse novo mundo do trabalho e não serão capazes de, sozinhos, produzir a resposta sindical necessária. Sindicatos e dirigentes têm enorme dificuldade para dialogar com esses novos trabalhadores e não os compreendem.

Dramaticamente, é urgente acordar! Esses sindicatos têm data marcada para morrer!

É essencial olhar para o futuro! Para ser protagonista das mudanças que possibilitem aos trabalhadores, desde já, serem sujeitos da história das novas e difíceis lutas que esse outro mundo do trabalho exigirá. A utopia que leva à mudança, orientada pela justiça social, precisa do fermento da criatividade e da ousadia da invenção.

Não sejamos os coveiros da luta! Sejamos semeadores, no solo social da transformação econômica, dos novos instrumentos e da nova organização para as lutas sociais e políticas que ainda não somos capazes de imaginar, mas que virão.

Por: Clemente Ganz Lúcio é Sociólogo, diretor técnico do DIEESE

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Mesmo com tantas denúncias, por que Moro ainda não caiu?


Do alto de décadas de experiência, o jornalista Jânio de Freitas chamou-a de operação virada de mesa. Seu fulcro ocorreu na quinta-feira (25/7). O ministro Sérgio Moro tentou, num movimento de ousadia extrema, destruir os sinais cada vez mais abundantes de que, quando juiz, agiu com parcialidade flagrante, visando interferir na disputa pela Presidência e favorecer uma coalizão de forças que o levaria ao governo.

Jânio reconstrói os fatos, utilizando-se das próprias declarações (ou tuítes) do ministro. Em evidente abuso de poder, ele apoderou-se dos registros de uma investigação que corria em sigilo de justiça. Passou a disparar, para altas autoridades da República, telefonemas nas quais as “alertava” para o fato de suas comunicações terem sido supostamente vazadas por hackers.

É muito duvidoso que se referisse apenas aos autos do processo. Tudo indica que se apoiou, principalmente, em informações (e violações) produzidas nos EUA. Seus objetivos eram claros: a) construir rapidamente um consenso em favor da destruição do material; b) ainda mais importante, estigmatizar – e tornar politicamente inócuas – as revelações feitas por The Intercept sobre sua conduta. O plano era óbvio: tudo recairia na vala comum dos vazamentos produzidos por criminosos e, portanto, de efeito nulo e divulgação condenável.

Mas a tentativa de Sérgio Moro fracassou.

Primeiro porque, já pela manhã, o jornalista Glenn Greenwald revelou a Veja diálogos que manteve com o hacker que o abastece de informações. Ficou claro, então, que há em curso dois vazamentos: o de The Intercept, que teve como foco os diálogos do procurador Deltan Dallagnol no Telegram; e um outro, incomparavelmente mais vasto, que é atribuído a pequenos estelionatários paulistas – mas só pode ser obra de agentes muito mais poderosos. O segundo motivo do fracasso é a dignidade que ainda resta no STF. Na tarde da quinta, o ministro Marco Aurélio Mello frisou, em entrevista à jornalista Monica Bergamo, que Moro não tinha nem a mínima autoridade para destruir o conteúdo das gravações, nem mesmo direito de acesso a elas.

A operação virada de mesa foi, em sua primeira tentativa, abortada. Pior, para Moro: começaram a surgir sinais de que o feitiço poderia virar contra seu inábil urdidor. No fim de semana, a Folha de S. Paulo lembrou que, de acordo com o princípio constitucional de “ampla defesa” e segundo a jurisprudência do STF, os réus têm direito a obter e invocar, em seu favor, mesmo as provas produzidas de maneira ilícita. Ou seja, os registros das “centenas de violações de sigilo na internet” além de não serem destruídos, teriam de aparecer. Talvez por isso, veio nova reviravolta acrobática. Nas últimas horas, a hipótese de “cerca de mil” vazamentos, afirmada com tanta certeza e alarde há poucos dias, começou a ser relativizada. Agora seriam “algumas dezenas”, “talvez trinta”, dizem fontes da PF – e surge uma nova explicação para o milhar antes propagado. Seriam 976 os números de telefone existentes na agenda dos hackers-estelionatários (imagine quantos você possui…) – e não a quantidade de autoridades invadidas…

Seja como for, o malogro da operação virada de mesa deixou Moro totalmente a nu as ilegalidades praticadas por Moro. Não são mais suposições a ser investigadas. São informações de malfeitos que o ministro postou para que fossem difundidas – crente no sucesso da pressão produzida. Falta-lhe, agora, toda autoridade moral para permanecer ministro; e talvez o caso seja, como aventou Ciro Gomes, de prisão preventiva – já que o ministro tentou claramente destruir provas de um caso em que é o provável transgressor.

Mas então, por que Moro se mantém? Aqui, é melhor evitar as afirmações altissonantes e genéricas, como “O Estado de direito há muito tempo foi rompido”. Sim, foi – mas constatá-lo de muito pouco serve. É preciso identificar claramente as forças e interesses que se articulam para nos manter em estado de exceção.

A chave parece estar num artigo desbravador de José Luís Fiori e William Nozaki. O Brasil tornou-se há alguns anos, mostra o texto, alvo pioneiro da mudança de orientação estratégica operada pelos EUA, visando a conservação de sua supremacia ameaçada. Esta estratégia supõe declaradamente a “guerra híbrida”, as intervenções externas, as formas “constitucionais” de golpes de Estado. A “luta contra a corrupção” é o pretexto principal da cruzada. E Sérgio Moro, até há alguns anos um obscuro juiz de primeira instância, ganhou destaque porque ligou-se aos planos norte-americanos desde 2009, quanto o Bridge Project estabeleceu a “colaboração” entre certas varas do Judiciário brasileiro e o Departamento de Justiça dos EUA. A proteção que Washington procura lhe oferecer chega a detalhes: como o esforço do consulado norte-americano, esta semana, para dificultar viagem internacional dos filhos de Glenn Greenwald, o jornalista cujas revelações incomodam o ministro.

Significa que ele e Bolsonaro são imbatíveis? Certamente não. Em outro texto, escrito há dois meses, o mesmo Fiori mostra que a virada estratégica de Washington fracassou em diversos países onde foi adotada, sendo a “operação Bolsonaro" seu êxito mais significativo. Em meio a uma coleção de derrotas, uma vitória rara, que pode ser revertida.

Mas o enorme esforço que necessário para tanto surge num ensaio dos sociólogos franceses Pierre Dardot e Fraçois Laval. Moro e Bolsonaro não cairão nem por sua indigência intelectual e moral, por suas suas patetadas, ou por seus atentados à Constituição ou às leis, sugere o texto. Eles expressam um neoliberalismo transformado, que visa impor a qualquer custo a lógica do capital em todas as esferas da vida humana e já despreza a democracia e o direito. Este projeto não recua diante de suas próprias derrotas – ao contrário, transforma-as em novas exigências. “Se a austeridade gera déficit orçamentário, é preciso acrescentar uma dose suplementar. Se a concorrência destrói o tecido industrial ou desertifica regiões, é preciso aguçá-la ainda mais entre as empresas, entre os territórios, entre as cidades. (…) Se a diminuição de impostos para os ricos ou empresas não dá os resultados esperados, é preciso aprofundar ainda mais nisto”.

Para vencer esta ameaça – expressa no espetáculo de horrores que parece se renovar a cada dia no Brasil – talvez já não baste uma esquerda que se limite aos programas, estratégias e táticas que marcaram os séculos XIX e XX. É o que veremos em breve, num próximo texto.

Por: Antonio Martins, jornalista.