Movimento
sindical é de luta e divide opiniões
A Lei Nº 11.648/08 dispõe
sobre
o reconhecimento formal das centrais sindicais no Brasil, e foi sancionada pelo
então presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 31 de março. Desde então,
críticos históricos da organização da classe trabalhadora tentam desqualificar
as ações e as lutas lideradas, principalmente, pelos sindicalistas. Justamente por ser combativo e de luta, o
movimento sindical brasileiro divide opiniões, até no mundo acadêmico.
No 37º Encontro Nacional da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), realizado
de 23 a 27 de setembro de 2013 em Águas de Lindoia, no interior de São Paulo, o
tema: “Para onde foram os sindicatos?”, ganhou destaque no dia 26 com
um debate entre os professores Iram Jácome Rodrigues (USP), Ricardo Antunes
(Unicamp) e Adalberto Cardoso (IESP-UERJ).
A primeira resposta foi
esboçada por Jácome Rodrigues, professor da Faculdade de Economia da USP. Ele
apresentou números preliminares de um levantamento que mostra um deslocamento
dos sindicatos e trabalhadores sindicalizados dos grandes centros industriais
do Sudeste em direção o Nordeste, a maioria deles trabalhadores rurais ou
servidores públicos e manteve o número de filiações.
Segundo o sociólogo
Adalberto Cardoso, levantamentos apontam que o número de profissionais
sindicalizados não caiu, mas que o movimento sindical brasileiro, “vive
um aparente paradoxo”. E apresentou números que, contestam a ideia de
que as entidades representativas sofrem uma crise de atuação nos tempos atuais.
“Se tomarmos as taxas de
filiação sindical, os resultados das negociações coletivas, as taxas de greves
ou a presença de sindicalistas nas esferas de representação política (o
parlamento ou a administração estatal), o que se vê, em lugar da crise, é um
movimento consolidado e atuante”.
Afirmou que se considerada o
total da população ocupada adulta, a taxa de sindicalização hoje é de 17,4%, a mesma registrada em 1988, auge
do sindicalismo no País. Para exemplificar a atuação ativa, ele citou os
protestos de 11 de junho, quando os sindicatos levaram 100 mil pessoas às ruas
de todo o país em plena quinta-feira para pedir a redução da jornada de
trabalho e do fator previdenciário.
“Os sindicatos não perderam
a capacidade de ação coletiva. Em 2012, ocorreram quase 900 greves no país, 75%
delas vitoriosas.” Em 2012, citou Cardoso, 94,6% das negociações coletivas
tiveram reajuste acima da inflação.
O especialista contestou
ainda a ideia de que os sindicatos foram cooptados pelo governo, abandonaram “as energias utópicas” da revolução e
se tornaram apenas pragmáticos. Segundo o professor, a crise do Estado do
Bem-Estar Social é “multidimensional”
e desatou a crise da ética do trabalho assalariado. A lógica do neoliberalismo,
afirmou, passou a privilegiar a ética da acumulação, o empreendedorismo
individual e a lógica da meritocracia e da competição pequeno-burguesa.
Em meio a este processo, a
trincheira do movimento sindical é contra a diminuição dos direitos
trabalhistas adquiridos, no Brasil, durante a era Vargas. “A utopia brasileira é a utopia do trabalho assalariado regulado.”
Essa utopia, disse, se materializou com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva
à Presidência. O aumento no número de assalariados com carteira assinada
coincidiu com a inclusão de sindicalistas ao primeiro escalão do governo, como
Luiz Marinho, Luiz Gushiken, Ricardo Berzoini e Jaques Wagner.
“Acho
estranho, portanto, que se trate como cooptação ou crise do sindicalismo uma
história de sucesso de um projeto político. Pode-se gostar dele, pode-se
criticá-lo, mas essa crítica não leva em conta que a utopia brasileira, a
utopia real, vivida por gerações sucessivas, foi e segue sendo a utopia do
trabalho assalariado regulado pelo Estado, a melhor das alternativas
disponíveis.”
Em resposta, o sociólogo
Ricardo Antunes, da Unicamp, afirmou: “Há
uma crise sindical? Há. É terminal? Não. Mas é profunda”. Segundo Antunes,
com a mudança do capitalismo a partir dos anos 70, mudou também a forma de
atuação do sindicato. No período, houve uma reestruturação do processo
produtivo no cenário global. A financeirização da economia se tornou o elemento
de fundação decisivo da exploração dos trabalhadores.
Como exemplo, citou que hoje, no Japão, 30%
dos trabalhadores estão na informalidade. “No México, a mensagem do governo às
empresas estrangeiras, em outras palavras, é: ‘Venham aqui porque aqui podemos
explorar mais’.”
A lógica hoje, afirmou, é a
expansão de empresas enxutas, com menos custos e mais chances de sobrevivência
em um mercado trasnacionalizado. “A
participação dos trabalhadores nas decisões das empresas só é bem-vinda quando
o assunto é irrelevante.”
O modelo de trabalho nessa
lógica criou o que ele chama de “precariado”. Enquanto isso, os sindicatos
perdem força à medida que optam por negociar ou firmar parcerias, em uma linha
de menor resistência, com o Estado. “Na
Europa, o trabalho sujo que ninguém queria fazer agora é disputado a tapa. Há
uma classe xenófoba em parte dos sindicatos na Europa para manter estes
postos.”
Antunes contestou a ideia de
que, sob o governo Lula, o movimento chegou ao poder ao lembrar que no período
foram cooptadas entidades dispostas a ceder apoio a quem estivesse no governo
independentemente do projeto. Caso, segundo ele, da Força Sindical.
“As
manifestações evidenciaram a crise dos sindicatos na medida em que há uma nova
morfologia do trabalho, um novo proletariado de serviços urbanos, dos
trabalhadores do comércio, dos hipermercados, do callcenters. Nessa área de
serviços urbanos que se mercadorizaram, que são mais ou menos novos, não se
encontra representação forte nos sindicatos. Se você quer lutar contra a
degradação da vida urbana, a mercadorização e a privatização do transporte, da
saúde, os sindicatos estão muito fechados a essas questões.”
Segundo Antunes, o caminho
natural para este esta revolta são as ruas. “As lutas sociais desde 2007, 2008, são a ocupação das praças públicas,
numa maneira de dizer que o sistema político tradicional não nos representa.
Isso tem sido assim na Europa, nos Estados Unidos, no Oriente Médio. Para além
de todas as diferenças desses movimentos, ocupar o espaço público é um traço
forte.”
Sobre
a Anpocs
Fundada
em 1977, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Ciências Sociais (Anpocs), entidade de direito privado sem fins lucrativos,
reúne mais de uma centena de centros de pós-graduação e de pesquisa em
antropologia, ciência política, relações internacionais, sociologia, de todo o
Brasil.
A Anpocs representa uma
expressiva parcela da inteligência e da intelectualidade brasileiras. Tem a
capacidade de lançar mão de um amplo conhecimento acumulado sobre as mais
variadas questões locais, regionais, nacionais e internacionais a partir de
pesquisas e reflexões baseadas em diferentes pontos de vista disciplinares.
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