Na versão dos políticos, o
dinheiro envolvido no esquema seria de emendas parlamentares regulares, como as
que são distribuídas todos os anos. Não é verdade: embora tenha origem na Lei
Orçamentária, o dinheiro do orçamento secreto foi distribuído de forma desigual
entre os congressistas, conforme a vontade política do governo. Não há
transparência, como ocorre com as emendas parlamentares, sobre os acordos para
divisão das verbas.
“Ali não tem orçamento secreto,
nem orçamento paralelo. O que tem são diferentes formas de se fazer emendas no
Orçamento. Emendas impositivas individuais, emendas impositivas de bancada e
tem as emendas RP 9 do relator-geral, que tem toda uma especificidade. Todas as
três é (sic) de competência do Poder Legislativo indicar”, disse o presidente
da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), durante entrevista ao programa Sem Censura, da
TV Brasil, na noite desta segunda-feira, dia 10. Ao contrário do que argumenta
Lira, a forma de destinação dos recursos das emendas de relator-geral, fonte do
esquema do orçamento secreto, é diferente daquela das emendas individuais ou de
bancada.
Congresso Nacional, em
Brasília; prática adotada pelo governo dificulta controle dos gastos pelo TCU ©
Dida Sampaio/Estadão Congresso Nacional, em Brasília; prática adotada pelo
governo dificulta controle dos gastos pelo TCU.
Mais cedo na segunda-feira, em entrevista ao blog da jornalista Miriam Leitão no jornal O Globo, Lira disse que as emendas de relator-geral (RP 9) também eram impositivas, o que é falso. As emendas de relator surgiram de forma impositiva na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, mas este trecho foi vetado por Bolsonaro. E o veto foi mantido pelo Congresso. Conforme mostrou o Estadão, Lira foi um dos principais beneficiados pelo esquema do orçamento secreto. O deputado indicou pelo menos R$ 116,4 milhões para obras e compra de máquinas pesadas.
Abaixo, a reportagem do
Estadão responde às principais dúvidas sobre o caso do “orçamento secreto”.
1. O orçamento secreto é
emenda parlamentar?
Não. Embora o orçamento
paralelo tenha origem em um tipo de emenda (isto é, uma modificação no
Orçamento) feita pelo Congresso, ele não se confunde com as emendas
parlamentares tradicionais, que são um importante mecanismo de distribuição de
recursos e de participação da sociedade no Orçamento.
Em 2019, o então relator do
Orçamento de 2020, o deputado Domingos Neto (PSD-CE) criou um novo tipo de
emenda, chamado de emenda de relator-geral. Este novo tipo passou a ser
identificado com o marcador de resultado primário (RP) 9.
Além desta inovação de 2020, o
Congresso faz todos os anos outros tipos de emendas ao Orçamento: as emendas
individuais, a que todos os deputados e senadores têm direito; as emendas de
bancadas (RP 7) e as emendas de comissões.
Ao contrário das emendas de
relator (RP 9), os demais tipos de emendas são distribuídos de forma igual
entre todos os parlamentares. Sua aplicação pode ser acompanhada por meio de
fontes públicas como a ferramenta Siga Brasil, desenvolvida pelo Senado
Federal.
Já as emendas de relator (RP
9) são distribuídas conforme a conveniência política do governo, que determina
quanto cada parlamentar terá direito. A indicação do destino do dinheiro é
feita pelos congressistas de modo informal. Às vezes esta destinação é
registrada em ofícios como os obtidos pelo Estadão, mas às vezes os acordos são
verbais.
2. Qual a origem do dinheiro?
O dinheiro do orçamento
paralelo é fruto de um acordo entre governo e Congresso no começo de 2020. O
valor total é de R$ 20,1 bilhões, e deste total, R$ 3 bilhões foram para o
Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), como revelado pelo Estadão.
No dia 18 de dezembro de 2019,
Bolsonaro vetou um artigo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, o
artigo 64-A. Este artigo dava a Domingos Neto o direito de direcionar R$ 30,1
bilhões em emendas de relator-geral (RP 9), conforme pedido por diferentes
bancadas do Congresso. O artigo 64-A ia além e dava ao governo prazo de 90 dias
para que os ministérios liberassem o dinheiro, sob risco de processo na
Justiça. Segundo o artigo 64-A, a execução das emendas deveria observar “as
indicações de beneficiários e a ordem de prioridades feitas pelos respectivos
autores”.
Documento disponível no site
do Congresso Nacional mostra justifica do veto de Bolsonaro a artigo da LDO ©
Reprodução Documento disponível no site do Congresso Nacional mostra justifica
do veto de Bolsonaro a artigo da LDO
Diante do descontentamento dos
deputados e senadores do Centrão com o veto, Bolsonaro chegou a um acordo com
os políticos. O Planalto enviou ao Congresso no dia 3 de março de 2020 três
PLNs (Projeto de Lei do Congresso Nacional), de números 2, 3 e 4 de 2020,
mantendo parte da verba do RP 9. Uma parte dos R$ 30,1 bilhões voltou a ficar
sob a alçada do Executivo, mas R$ 20,1 bilhões permaneceram no RP 9.
Graças ao acordo e ao envio
dos PLNs, o veto aposto por Bolsonaro foi mantido pelo Congresso no dia
seguinte, 4 de março. Assim, o Congresso derrubou a “impositividade” das
emendas de relator, previstas no projeto inicial, em troca da manutenção de
parte do dinheiro do RP 9. Foram 398 votos pela manutenção do veto, dois contrários
e uma abstenção. O Senado não precisou votar. Esta é a origem do dinheiro do
orçamento secret: os R$ 20,1 bilhões do RP 9 em 2020, mantidos por um acordo
entre Governo e Congresso.
3. Por que falar em orçamento
secreto?
Embora o dinheiro do esquema esteja
no Orçamento Geral da União de 2020, a destinação das verbas é feita de forma
sigilosa – a partir de acordos políticos. Ao contrário das emendas individuais,
não é possível saber quem indicou o quê.
Toda a negociação para
direcionar o dinheiro foi feita dentro do Palácio do Planalto, no âmbito da
Secretaria de Governo (Segov), à época gerida pelo então ministro Luiz Eduardo
Ramos, hoje na Casa Civil. Em alguns casos, os políticos encaminharam ofícios,
que não são públicos, ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), dizendo
como o dinheiro deveria ser gasto. Toda a destinação foi feita fora do alcance
do público e dos órgãos de controle como o Ministério Público Federal (MPF), o
Tribunal de Contas da União (TCU), e a Controladoria-Geral da União (CGU).
4. Se era para a base aliada,
por que alguns da oposição receberam?
Alguns deputados e senadores
da oposição aparecem no chamado “planilhão” do Ministério do Desenvolvimento
Regional, documento revelado pelo Estadão meses atrás e que mostra a destinação
de R$ 3 bilhões na pasta comandada pelo ministro Rogério Marinho.
Estes oposicionistas, no
entanto, foram beneficiados ao longo de 2020 como parte da cota do senador Davi
Alcolumbre (DEM-AP), então presidente do Senado; e de Arthur Lira (PP-AL). O
primeiro ofereceu a oposicionistas a possibilidade de indicar verbas em troca
de apoio para sua tentativa de reeleição ao comando do Senado, depois barrada
pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Já Lira usou as indicações para obter
apoio na disputa pelo comando da Câmara, vencida por ele no começo deste ano.
Um dos oposicionistas
beneficiados, o senador Humberto Costa (PT-PE) disse ao Estadão que foi
procurado por Alcolumbre com um aceno sobre a indicação de dinheiro. “Houve da
parte do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, uma pergunta a nós da bancada
do PT se nós tínhamos interesse de ter algum tipo de emenda além das
parlamentares, aquelas impositivas. E nós dissemos que aceitávamos”, disse.
5. A compra dos tratores foi
superfaturada?
Os políticos beneficiados pelo
esquema direcionaram boa parte do dinheiro para compra de tratores e outras
máquinas agrícolas a preços inflados. Há indícios de sobrepreço na compra das
máquinas, pois os valores são, em vários casos, muito superiores ao indicado
pelo próprio Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) em tabela de
referência de preços. Apesar da discrepância, o governo federal concordou com
as compras e repassou o dinheiro aos municípios, que seriam responsáveis por
fazer as aquisições na maioria das vezes. Apesar disso, muitas das compras
ainda não aconteceram, embora os valores acima da tabela já estejam aprovados.
6. Os parlamentares devem
indicar o preço dos tratores?
Não. Mas vários dos deputados
e senadores incluíram nos ofícios em que direcionam verbas o valor do quanto
deveria ser pago pelas máquinas que pediram para comprar. Trator que deveria
custar R$ 100 mil, seguindo a tabela do ministério, foi autorizado a compra com
sobrepreço de 259%.
Fonte: https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil
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