A chamada “reforma”
trabalhista de 2017 representada pelas Leis 13.429 (Terceirização) e 13.467 (Reforma
Trabalhista) não foi suficiente. E olha que foram extremamente agressivas à
classe trabalhadora as mudanças ali operadas: fragilizaram as entidades
sindicais, facilitaram as despedidas, incentivaram a terceirização, retiraram
fonte de custeio da Previdência Social. Criaram onerosidade para o acesso de
quem é comprovadamente pobre à justiça, estabelecendo uma situação pior do que
aquela prevista no CPC.
O governo federal já
demonstrou que não há limites em sua ânsia pela desconstrução das regras que
buscam de algum modo instaurar um Estado Social em nosso país. Desde 2016, após
o golpe do Capital contra o Trabalho, o
trabalhador (a) que busca recuperar patrimônio que lhe foi subtraído durante o
contrato de trabalho, através do Poder Judiciário Trabalhista, corre o risco de
ser condenado a devolver ao agressor da ordem jurídica o que lhe for
restituído.
A “reforma” da previdência
conseguiu ser ainda pior. Aumentou o tempo de contribuição e a idade para a
aposentadoria, alterou critério de cálculo que implicará redução do valor dos
benefícios, dificultou o acesso a esses benefícios e aumentou alíquotas. Atingiu,
principalmente, quem sobrevive com até dois salários mínimos por mês.
Ao lado dessa pauta, há
claramente um aumento da violência real e simbólica contra a classe
trabalhadora, revelada pelo deboche e pela omissão em relação às questões
ambientais, pela violência estatal contra as populações periféricas e contra
grevistas, ou por propostas de destruição de carreiras públicas em vários
estados da federação. Há um verdadeiro frenesi na publicação, quase diária, de
decretos e Medidas Provisórias (MP’s), e apresentação de projetos para legislar
o que já está legislado, alterar a Constituição ou desnaturar legislações
protetivas.
Uma das poucas propostas de
campanha do presidente eleito, a MP fixa que o valor do salário não pode
ultrapassar um salário mínimo e meio e que as partes podem convencionar o
pagamento mensal da metade da multa sobre os depósitos do FGTS, fixado em 20%;
permite majoração da jornada para até dez horas por dia; estabelece a
possibilidade de banco de hora tácito; permite que as empresas fiquem isentas
de pagar INSS, contribuição para o SESC, SESI, SEBRAE e salário educação; não
assegura o pagamento do seguro-desemprego (depende de autorização do Ministério
da Economia por meio de portaria).
Estabelece, também, que
quando o empregador optar por fazer seguro aos empregados que realizam
atividades perigosas, o adicional de periculosidade será de 5%, e não mais de
30%, bem como que só será caracterizado trabalho perigoso se o trabalhador
ficar exposto ao risco por no mínimo 50% da jornada de trabalho. Também
extingue, a partir de 2020, a multa adicional de 10% sobre o saldo do FGTS
quando o empregador despede, autoriza o trabalho em domingos e feriados e aos
sábados, para os bancários, sem qualquer restrição.
A
MP 905 é uma bomba
Quanto aos trabalhadores
bancários, ainda refere que quando houver reconhecimento de que não há
exercício de cargo de confiança, deverá ser abatido do valor das horas extras
deferidas pela justiça a gratificação recebida. Estabelece que alimentos ou
tickets-refeição não são tributáveis e nem integram a remuneração do
trabalhador. Muda uma vez mais as disposições sobre gorjeta, fixando que devem
ser rateadas entre os empregados, podendo o empregador, a depender do seu
regime fiscal, reter entre 20% e 33% do valor para custear encargos
trabalhistas e previdenciários. Reduz o valor da multa prevista no art. 477 da
CLT para o equivalente a um salário do empregado.
Dispõe, também, que os
auditores fiscais não poderão interditar atividade, estabelecimento, setor de
serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra. Atribui ao INMETRO ou
SINMETRO, como disciplinado pelo Ministério da Economia, o encargo de
certificar EPI´s e examinar caldeiras e vasos de pressão.
Revoga a exigência de
aprovação prévia para instalação de caldeiras, fornos e recipientes sob pressão
e institui o “Termo de Compromisso” a ser firmado com os auditores
trabalhistas, com prazo máximo de vigência de dois anos, vedando, em tal caso,
que o Ministério Público do Trabalho exija TAC sobre o mesmo tema. Fixa
desconto de contribuições previdenciárias ao beneficiário do seguro desemprego.
Busca destruir os juros de mora; revoga a disposição constante do art. 21, IV,
“d” da lei 8.213/91 que equipara o acidente de percurso ao acidente de
trabalho. Retira da CTPS a qualidade de
documento civil. Esse rol sequer é exaustivo.
É
preciso reagir
A leitura da MP 905 cansa e
entristece; é uma declaração de ódio a quem vive do trabalho, num país cuja
economia e, portanto, os parâmetros de convivência social, estão baseados na
produção e circulação e, pois, na capacidade de consumo e de vida digna
justamente dessa maioria de brasileiras e brasileiros que sobrevivem do
dinheiro obtido com o trabalho que realizam.
E de nada adianta invocar a
literalidade do artigo 62 da Constituição. Uma MP não pode tratar de matéria
trabalhista, mas essa não é a primeira a fazer isso. A última, sob o ridículo
epíteto de instituir uma “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica” e
estabelecer “garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório”, como
se a Constituição de 1988 simplesmente não existisse, já virou lei. Relembre:
Não adianta porque não se
trata de um problema de compreensão jurídica. A literalidade da Constituição
tem sido ignorada com uma frequência que nos impede de negar a realidade.
Trata-se de uma vontade deliberada de alterar as regras do jogo de modo
autoritário, subvertendo o que deveria ser o caminho democrático para a
construção das normas de convívio social. Trata-se de uma política pública de
morte, pois as alterações capitaneadas pelo governo federal vão todas no
sentido de dificultar, até tornar impossível, a sobrevivência minimamente digna
da maioria da população brasileira.
Para quem empreende e gera
empregos no Brasil, a MP não faz mais do que gerar insegurança jurídica e
retirar dinheiro de circulação. Algo que, como já ocorreu com a “reforma”
trabalhista e se agravará com a aplicação das novas regras de seguridade
social, implicará menos consumo e, portanto, afetará diretamente a economia
nacional.
Em artigo recente, e como
sempre brilhante, sobre a MP 905, o colega e amigo Jorge Luiz Souto Maior nos
convoca a compreender que o mais recente ataque à classe trabalhadora “nos
posiciona diante de uma encruzilhada histórica”, exigindo que nos posicionemos.
Afinal, estamos “dispostos a sacrificar (de vez) as bases democráticas para
obtenção de uma pequena e efêmera vantagem financeira”? A “democracia, afinal,
importa ou não”?
Essa é a pergunta
fundamental que nos levará à necessária reação. A MP 905 não pode ser aplicada,
nem deve ser convertida em lei. Precisa ser imediatamente denunciada aos
organismos internacionais como o que realmente é: mais um capítulo de uma
política determinada a fazer do Brasil um país para poucos.
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