Por que tantos criminosos se
tornam evangélicos na prisão? E não católicos, budistas, umbandistas,
espíritas? Porque nenhuma igreja tem mais poder, influência e dinheiro do que a
evangélica nas penitenciárias. Aos condenados por crimes hediondos, os pastores
prometem a salvação em vida e não o paraíso após a morte. São mais persuasivos
que os padres.
Agatha Moreira, na pele de
Josiane ou ‘Jô’, a vilã implacável de ‘A dona do pedaço’, assassina confessa
que não teve tempo de matar a mãe antes de ser presa, passou a andar com a
Bíblia e a gritar Aleluia, se arrependeu de todos os crimes, virou uma
cordeirinha, deixou crescer os cabelos como crente, passou a rir como uma
iluminada e...conseguiu redução na pena máxima, de 30 anos de prisão. Logo
logo, feliz com a própria redenção, vai respirar o ar puro das escolhidas de
Cristo.
O autor Walcyr Carrasco não
está apelando à audiência evangélica. Apenas constata a vida real. O poder dos
pastores vem de fora para dentro. Vem do Congresso, vem dos juízes, do presidente
e ministros. Na ausência do Estado, em comunidades carentes de saneamento,
escolas, hospitais, dignidade, os evangélicos se apropriaram da fé dos humildes
e atropelaram a Igreja Católica. Os pastores são mais profissionais e
pragmáticos, não necessitam estudos de Teologia e têm um discurso menos
elitista do que o dos padres. O que não falta a Walcyr é a inspiração em
conversões de criminosos famosos pela premeditação e crueldade.
Suzane Von Richtofen,
mandante do assassinato de pai e mãe, condenada a 39 anos, foi batizada pela
Assembleia de Deus na prisão. Quando for libertada, bem antes de concluir a
pena, ela se tornará pastora da Igreja Quadrangular. Na última “saidinha” no
Dia das Mães, ela subiu ao púlpito de uma igreja e afirmou ter matado os pais
porque foi “seduzida pelo diabo”. O mandante foi portanto o demônio e ela
apenas uma vítima – embora psicólogos a considerem fria e manipuladora.
O goleiro Bruno, condenado
por mandar matar a mãe de seu filho Bruninho com requintes de premeditação e crueldade,
também virou evangélico, casou num culto ainda na prisão, já está de volta ao
futebol e postou um vídeo em seu perfil ‘oficialbrunogoleiro’ no Instagram.
Nele, um pastor grita, chora e ri: “Satanás vai dizer, você é um lixo, você não
serve! O Espírito Santo vai te lembrar: você é escolhido!” A vítima, Eliza
Samudio, coitada, não sabia que lidava com o demônio, pensava ser só o goleiro
do Flamengo. O corpo dela ainda não apareceu.
Guilherme de Pádua,
condenado pelo crime premeditado de Daniella Perez em 1992, com 18 punhaladas
no pulmão, coração e pescoço, só ficou preso sete anos. Tornou-se obreiro da
Igreja Batista da Lagoinha. Lançou um canal no YouTube em janeiro de 2019,
explicando por que se tornou evangélico. “Não sou mais eu quem vivo, mas Cristo
vive em mim. Tenho a mente de Cristo. Tenho o coração de Cristo”. Pádua
lamentou a rejeição nas ruas: “Cheguei a levar cuspida na cara”. E disse que
“sempre ora pela vida de Glória Perez”.
Anna Carolina Jatobá,
condenada por jogar a enteada Isabella, de cinco anos, do sexto andar, também
virou evangélica na prisão, passou a frequentar cultos e goza de regalias por
isso. Detentos evangélicos levam uma vida melhor do que os outros. Os pastores
oferecem aos “apenados” proteção e cuidados. Em troca de obediência. Algumas
restrições são: bebidas e prática de homossexualidade.
Conversei com Jaqueline
Vasconcellos, 37 anos, professora de teatro, arte e música que ensinou 10 anos
em penitenciárias. Ela deixou de ser atriz para estudar Direito. Seu relato é impressionante.
“A Igreja Evangélica tem espaços bonitos, arrumados e pintados. Os espaços
católicos parecem extensões do presídio. A Igreja Evangélica investe. Tem
material de música, organiza atividades, corais. Em algumas prisões, há celas
especiais para evangélicos. O poder deles sobre o comando interno é forte. Um
detento parou de ir às minhas aulas de teatro porque, se ele faltasse ao culto,
seria transferido para uma penitenciária que equivalia a uma sentença de
morte”.
Há ameaças e privilégios,
diz Jaqueline. “Um preso só conseguiu cigarros com os pastores depois de se
converter. Antes, nem guimba. Os pastores fazem a ponte com a família. Passam
recado, comida. Evangélicos são presos vip. Ganham água gelada, ventilador.
Podem circular no presídio. O detento passa a crer, por fé ou oportunismo. O
pastor promete que o receberá lá fora. E que ele será um herói, um
sobrevivente, um escolhido”.
A religião entra onde o
Estado não existe. Ela dá um sentido à vida dos despossuídos e abandonados. Os
pastores só querem almas e dízimos em vida, não têm preconceito. Trabalham com
traficantes e milicianos, fora e dentro. Quando entrevistei o Nem, na Rocinha,
foi por intermédio de uma igreja evangélica. Gente humilde honesta e do bem
enxerga os pastores como seus semelhantes. Assassinos, alcoólatras, viciados
sabem que, como evangélicos, podem culpar Satanás e retomar a vida como novos
homens, novas mulheres.
“Se eu fosse presa, claro
que eu virava evangélica”, diz Jaqueline. Eu também. E deixaria o cabelo
crescer igual a Jô.
Por:
Ruth de Aquino. Glenn Greenwald Brasil
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