A cláusula de barreira ou de
desempenho, instituída pela Emenda à Constituição nº 97, de 2017 − que também
pôs fim às coligações nas eleições proporcionais − condiciona o acesso dos
partidos aos recursos do fundo partidário e o acesso gratuito ao tempo de rádio
e de televisão ao atingimento de metas de votos. No pleito de 2018, os partidos
precisavam alcançar 1,5% dos votos válidos, distribuído em pelo menos um terço
das unidades da federação (nove estados) com um mínimo de 1% em cada uma delas
ou eleger nove deputados federais distribuído em pelo menos um terço das
unidades da federação para ter acesso a esses benefícios. Em 2022, essas
exigências serão aumentadas respectivamente para 2% ou onze deputados federais,
ambas em pelo menos um terço dos estados.
A federação de partidos,
instituída pela Lei nº 14.208, de 2021, autoriza que dois ou mais partidos
políticos possam se reunir em federação e atuar como se fossem uma única
agremiação partidária, após sua constituição e registro perante o Tribunal
Superior Eleitoral. Ela permite a contagem de votos dos partidos que a integram
para efeito de atingimento do quociente eleitoral e da cláusula de barreira. A
diferença entre a federação e a coligação na eleição proporcional, é que a
federação exige que os partidos fiquem unidos até a eleição seguinte, forçando
um mínimo de identidade ideológica e programática, enquanto a coligação era um
arranjo só para a eleição e era dissolvida logo após o pleito eleitoral.
A Lei 14.211, de 2021, por sua
vez, instituiu novas exigências para a conversão dos votos em mandatos,
especialmente na parte relativa às “sobras”. Na eleição de 2018, conforme
previa a Lei 13.488, de 2017, as vagas na Câmara dos Deputados e nas
Assembleias Legislativas eram distribuídas, inicialmente, aos partidos ou
coligações que atingissem o quociente eleitoral e tivessem candidatos com pelo
menos 10% do quociente eleitoral, e, após não haver mais partidos que
preenchessem essas duas condições, as “sobras” eram distribuídas entre todos os
partidos, de acordo com a ordem de votação dos candidatos. Para 2022, foi
mantida a primeira distribuição com a exigência dos dois requisitos (quociente
eleitoral e candidatos com 10% do quociente), mas só participam das “sobras” os
partidos ou federações que alcançarem 80% do quociente eleitoral e tiverem candidatos
com votos correspondentes a pelo menos 20% do quociente eleitoral, regra que
limitará drasticamente a eleição de candidatos de partidos ou federações que
não atingiram o quociente eleitoral. Se nenhum partido alcançar o quociente
citado, serão considerados eleitos os mais votados na ordem de votação.
Para captar o impacto dessas
novas regras para a composição da Câmara dos Deputados, o DIAP (Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar), com base nos votos efetivamente
obtidos por cada partido no pleito de 2018, fez uma simulação de como seria o
desempenho dos partidos sem as coligações e caso essas regras estivessem em
vigor naquele pleito eleitoral. O resultado da simulação indica algumas
mudanças relevantes na composição partidária, conforme as tendências a seguir
apontadas.
Tendências
A primeira e talvez principal
tendência com essas regras será a redução de número de partidos com
representação na Câmara dos Deputados. Se nas eleições municipais de 2020, nas
Câmaras de Vereadores, isso ocorreu de forma sensível apenas com a vigência do
fim das coligações, nas eleições para a Câmara dos Deputados e Assembleias
Legislativas essa tendência tende a se reproduzir com maior intensidade, porque
além do fim das coligações também passará a ser exigido desempenho mínimo para a distribuição das
sobras das vagas não preenchidas com os dois requisitos (quociente eleitoral e
candidato com votos correspondentes a pelo menos 10% do quociente eleitoral).
Na última eleição municipal,
como citado anteriormente, foi observado que nas cidades com até cinco mil
habitantes as câmaras tinham, em média, mais de cinco partidos após a eleição
de 2016. Em 2020, essas cidades, em média, elegeram vereadores de menos de
quatro partidos. Nos municípios com população entre cinco mil e dez mil
habitantes, o número médio de partidos representados no Legislativo caiu de
seis para quatro. O mesmo movimento de queda aconteceu nas cidades com entre
dez mil e 20 mil, assim como aquelas com entre 20 mil e 50 mil habitantes. Já nas
cidades maiores, onde vivem 70% dos brasileiros, o número de partidos
representados nas câmaras não variou muito.
A segunda tendência será de
favorecimento dos grandes partidos e das federações em contraposição aos
pequenos e médios. Os pequenos, para sobreviver, terão que ou se fundir ou
criar federação, sob pena de perder o acesso ao fundo partidário e ao horário
eleitoral gratuito no rádio e na televisão. Um fenômeno provável, na hipótese
de os pequenos não se fundirem ou criarem federação, é que seus parlamentares
aproveitem a janela partidária entre março e abril e migrem para partidos
grandes ou médios.
De acordo com a simulação, se
já estivesse em vigor o fim das coligações e a exigência de desempenho para
participar das “sobras nas eleições de 2018, pelo menos 249 das 513 seriam
distribuídas pelo sistema de sobras já exigindo 80% do quociente eleitoral e
20% do quociente dos candidatos individualmente, fato que teria excluído muitos
dos eleitos pelo critério anterior. Ou seja, em lugar de 33 partidos
participando da distribuição das sobras em cada estado, haveria apenas seis, em
média.
A terceira tendência será a
redução do número de partidos que atingem a cláusula de desempenho −que passa
de 1,5% para 2% do eleitorado – resultando na exclusão deles do acesso aos
recursos do fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito. Se tomarmos como
exemplo o desempenho dos partidos na eleição municipal de 2020, dos 33 partidos
que lançaram candidaturas, apenas 18 partidos, considerando esse parâmetro, teriam
atingido 2% dos votos válidos, somados os votos nominais e de legenda obtidos.
Isso significa que 15 partidos, por essa lógica, não teriam atingido a cláusula
desempenho eleitoral mínima. São eles: PROS, PV, PSOL, PCdoB, PRTB, PTC, PMN,
DC, Rede, Novo, PMB, UP, PSTU, PCB e PCO.
Por fim, como tendência mais
geral, em face do fim das coligações, do aumento do percentual da cláusula de
barreira, das novas exigências para fins de distribuição de “sobras” e da
polarização do ambiente político, podemos antever: 1) vantagens para os
partidos grandes e médios situados à direita e à esquerda do espectro político;
2) perda de espaço dos partidos sem nitidez ideológica ou situados mais ao
centro do espectro políticos; e, independentemente de sua visão ideológica, 3)
inviabilidade dos pequenos partidos. A salvação dos pequenos será a federação
de partidos.
Por: Antônio
Augusto de Queiroz, Jornalista mestre em
Políticas Públicas e Governo pela FGV. Ex-diretor de Documentação do Diap, é
analista e consultor político em Brasília e Neuriberg Dias Rego, Analista político,
diretor de documentação licenciado do Diap e Sócio da Contatos Assessoria
Política.
Especial para o Congresso em
Foco
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