A notícia de que o
presidente Jair Bolsonaro contraiu a covid-19 deu a volta ao mundo,
repercutindo nos principais veículos internacionais, que ressaltaram o
histórico de declarações negacionistas do presidente brasileiro sobre a
pandemia do coronavírus. Desde o início da crise sanitária, a cobertura sobre o
comportamento de Bolsonaro, que defende que há um alarmismo sobre a pandemia e
que o coronavírus é uma “gripezinha”, tem ganhado mais espaço no noticiário
internacional e acelerado um desgaste da imagem do Brasil no exterior, segundo
um estudo da consultoria Curado & associados.
O levantamento, que analisou
as publicações de sete veículos internacionais de diferentes linhas editoriais,
mostrou que essa percepção negativa do país piorou do primeiro trimestre para o
segundo, e mostra uma “crise ética e de falência de gestão” do Governo. O tema
da pandemia foi responsável por 68% do total da cobertura negativa no segundo
trimestre, seguido pela cobertura da demissão do ex-ministro de Justiça Sergio
Moro (10%) e da devastação da Amazônia (8%). O estudo mostra que a cobertura da
gestão brasileira da covid-19 pela imprensa internacional cresceu 146% no
segundo trimestre.
“A cobertura da crise
sanitária agravou a percepção de um Governo irresponsável, de uma gestão sem
liderança, cheio de declarações negacionistas sobre a doença. A notícia sobre o
presidente ter testado positivo para o coronavírus, por exemplo, teve ampla
cobertura pela forma desrespeitosa em que ele fez o anúncio”, diz Olga Curado
sócia-fundadora da consultoria.
Após informar que tinha
contraído a doença durante entrevista coletiva com jornalistas no Palácio da
Alvorada, o presidente tirou a máscara que usava. O mandatário brasileiro
também seguiu insistindo que a infecção pelo novo vírus só é perigosa para
idosos e pessoas com doenças prévias. Entre os veículos pesquisados estão o
francês Le Monde, a revista inglesa The Economist, a alemã Der Spiegel e a
edição espanhola do EL PAÍS.
Desgaste
por números alarmantes do desmatamento
A consultora ressalta, no
entanto, que, desde o ano passado, as críticas sobre as políticas ambientais de
Bolsonaro também permeiam bastante o noticiário e que vários veículos já
projetam os impactos econômicos das ações do Governo. Em 23 de junho, por
exemplo, três jornais, The Guardian, The New York Times e The Washington Post
fizeram reportagens sobre alertas de “investidores de trilhões de dólares” ao
Brasil pelas políticas de “desmantelamento” da Amazônia.
Naquele dia, instituições
financeiras responsáveis pela gestão de mais de 4 trilhões de dólares enviaram
uma carta ao Governo Bolsonaro avisando sobre o risco de retirada de
investimentos no país caso não houvesse uma ações mais efetivas para controlar
o desmatamento. Depois, o empresariado nacional aumentou o coro sobre o tema
com um manifesto semelhante assinado por 38 companhias, entre elas pesos
pesados como o Banco Itaú, o maior da América Latina, Santander, e empresas
ligadas ao agronegócio, como o braço brasileiro da Cargill.
A pressão dos estrangeiros
acendeu um alerta vermelho no Planalto, que marcou uma reunião por
videoconferência com representantes dos fundos, na última quinta-feira, 9,
comandada pelo vice-presidente Hamilton Mourão, responsável pelo Conselho
Nacional da Amazônia. Na sexta, foi a vez de Mourão receber o movimento
brasileiro.
“Em nenhum momento
investidores se comprometeram com investimento, eles querem ver resultados,
querem ver a redução de desmatamento”, disse Mourão, após o encontro online com
investidores. O vice-presidente brasileiro admite a necessidade de combater
ilegalidades na Amazônia, mas defende, assim como Bolsonaro, que há um exagero
na percepção sobre destruição da região.
“A floresta está em pé,
muitos colocam que a floresta está queimando”, disse. Na mesma sexta-feira, 10,
o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou a maior alta de
desmatamento para o mês de junho desde 2015, apesar de uma ação militar,
comandada por Mourão, ter entrado na Amazônia em maio para combater o
desmatamento.
No início do mês, em
discurso na Cúpula do Mercosul, o mandatário brasileiro já tinha reclamado de
“visões” no exterior que, segundo o seu entendimento, são “distorcidas” e não
refletem o real esforço do Governo, sobretudo em temas como a defesa da região
amazônica e o relacionamento com povos indígenas. Num esforço para continuar as
negociações do acordo do bloco com a União Europeia, o presidente afirmou que
seguirá o diálogo com diferentes interlocutores para desfazer essas opiniões.
Segundo fontes diplomáticas
europeias consultadas pelo EL PAÍS, se os resultados práticos de redução dos
índices de desmatamento não aparecerem rapidamente, há um risco do acordo
entres os blocos não sair do papel.
Incerteza
política
Para além do problema
ambiental, a crise política no país e a agenda econômica diante da pandemia
também preocupa investidores estrangeiros que, ao fim e ao cabo, paralisam
potenciais recursos que poderiam ajudar o Brasil ainda mais neste momento de
crise.
“Há uma forte incerteza
política, saídas de ministros, discussões entre o Executivo, Congresso e
governadores. Há até mesmo uma avaliação da condução de uma crise sanitária
como essa. São coisas que os investidores ponderam no momento que decidem se
vão investir em um país”, diz Martin Castellano, chefe da seção de América
Latina do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês).
Na avaliação de Castellano,
há ainda muitas dúvidas sobre a capacidade que o presidente terá de retomar as
pautas reformistas da equipe econômica. “Por conta da pandemia e motivos
domésticos, as reformas ficaram de lado e perderam a prioridade. As restrições
para seguir são mais desafiantes que antes”, diz. O próprio pacote de estímulo
para combater os efeitos da crise sanitária, um dos mais ambiciosos da região,
gera incerteza sobre o tamanho do rombo das contas públicas e o futuro fiscal
do país, alerta Castellano.
As primeiras consequências
no curto prazo já podem ser constatadas com o aumento da saída de capital
estrangeiro, principalmente do setor acionário, mas também do investimento
estrangeiro direto, segundo Castellano. A projeção da Agência das Nações Unidas
para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) é que o o volume de capital
estrangeiro para o país só tende a começar uma retomada em 2022, ano eleitoral,
e um desafio em dobro para Bolsonaro que sonha com a reeleição. A forte
desvalorização do real frente ao dólar nos últimos meses também é um indício
dessa desconfiança crescente em relação à economia brasileira.
Do ponto de vista
diplomático, o desgaste da imagem do Brasil diante da pandemia, que matou mais
de 72.000 pessoas no país, já acarretou na perda de representatividade nos
fóruns internacionais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) não convidou
Bolsonaro para participar de debate multilateral sobre o enfrentamento à crise
sanitária.
“Sempre houve uma tradição brasileira,
que nem os governos militares conseguiram destruir, de uma diplomacia
competente e profissional, de mediação”, explica Javier Vadell, professor de
relações internacionais da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Minas
Gerais. Mas, agora, segue Vadell, com o alinhamento do Brasil com Donald Trump,
as gafes do presidente e membros do Governo com líderes mundiais e toda a
atitude negacionista sobre a Amazônia e a pandemia, “a reputação do país está
no chão”.
Mais
publicidade para agenda positiva
Com a imagem do Brasil
abalada por sucessivas crises e declarações, o Governo tenta reverter o quadro
apostando em mais gastos em publicidade e relações públicas para fomentar uma
agenda mais positiva do país. A Secretaria de Comunicação do Governo (Secom)
pediu, no início de junho, a liberação ainda para este ano de 325 milhões de
reais para publicidade e relações públicas ― mais que o dobro previsto no
orçamento do início do ano ― e justificou o pedido de ampliação com o argumento
da pandemia.
Segundo a Folha de S. Paulo,
em um dos ofícios da Secom à Secretaria-Geral da Presidência, se argumenta que
a repercussão negativa das ações do Governo está impactando a imagem do país e
é necessário incentivar a “veiculação de pautas positivas” no Brasil e no
exterior. Há ainda o pedido de liberação de 60 milhões para gastar em veículos
no exterior.
“O Brasil tem sido citado de
forma recorrente pelos principais jornais e agências de notícias
internacionais, e críticas à atuação do governo no enfrentamento à covid-19 têm
sido amplamente divulgadas”, diz o secretário-adjunto Samy Liberman em um dos
ofícios encaminhados segundo a Folha de S.Paulo. Desde janeiro de 2019, a Secom
está sem contrato para os serviços de relações públicas no exterior.
No Brasil, a imagem do
presidente também sofre abalos. Segundo a pesquisa do Datafolha, feita no final
de junho, a rejeição ao presidente atinge 44% dos brasileiros. A aprovação é de
32%, enquanto os que avaliam Bolsonaro como regular são 23%.
Fonte:
https://brasil.elpais.com/brasil
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