As elites brasileiras sempre
souberam se livrar dos incômodos, mesmo dos criados por ela mesma. Alguém já
disse algo parecido. Desde que entramos no inverno da democracia, na ladeira
dos retrocessos e nas trevas do obscurantismo,
com a posse de Bolsonaro, esta é a primeira vez que algo começa a se
mover neste sentido, de forma ainda
incipiente, não planejada e imposta pelos desatinos do presidente e de seu
governo.
Pois ainda que dispostas a
aturar ataques à democracia e regressos civilizatórios em nome da agenda
neoliberal, as elites podem estar começando a perceber que sob Bolsonaro não
haverá reformas, nem ajuste fiscal, nem crescimento. Ficará o país andando de
lado, assustando o mundo e os investidores com a algaravia do radicalismos
bolsonaristas, enquanto os conservadores do Congresso tentam montar uma rede de
proteção a Guedes, para que não jogue a toalha.
Na percepção das elites, Guedes faz e Bolsonaro desfaz, embora Guedes
também dê seus tiros nos pé. Pediu desculpas às domésticas mas Bolsonaro, que
até aqui sabotou a agenda econômica, agora cobra-lhe que dobre o pibinho até
julho. No dia 4 de março o IBGE divulga oficialmente um PIB de algo em torno de
0,90% em 2019. Menor que o de 1,34% do último ano de Temer, 2018.
Aconteceram coisas graves
demais nesta semana pré-carnaval. Bolsonaro ultrapassou todos os limites da
indulgência ao atacar de forma indecorosa uma jornalista, com insultos
misóginos, vulgares e machistas. Violou, como tenho dito, o inciso 7 do
capítulo V da Lei 1070/50, a lei que tipifica os crimes de responsabilidade
para efeito de impeachment do presidente, dos ministros de estado, de ministros
do STF e do Procurador-Geral da República. Até agora não vingou nenhuma
proposição penal, nem mesmo por crimes comuns, que também foram cometidos, como
calúnia e difamação, mas algo se trincou. As condenações uníssonas vieram do
Congresso, de toda a mídia, dos artistas, dos jornalistas, dos intelectuais, de
toda a sociedade, e dos governadores.
Em seguida o general Heleno,
ministro do GSI, foi flagrado chamando os congressistas de chantagistas. Na
volta do carnaval os governistas terão de se virar para evitar que seja
aprovado o requerimento do líder do PT no Senado, Rogerio Carvalho, convocando
Heleno a dar explicações. Davi Alcolumbre, presidente do Senado, está deixando
correr.
O bolsonarismo militante
tentará, no dia 15, corresponder ao que Heleno propôs nas redes. Que Bolsonaro
chamasse o povo para explicitar apoio a ele, contra o Congresso. É a
manifestação do “foda-se”, como está sendo chamada, ecoando o xingamento do
general ao Congresso. Esta receita, de
Executivo peitando Legislativo, não costuma resultar em boa coisa. O Congresso
voltará do Carnaval querendo garantir o acordo sobre as emendas orçamentárias:
deixarão os R$ 31 bilhões em emendas por apenas R$ 20 bilhões mas o governo
precisa enviar projeto neste sentido. Se não...derrubam o veto de Bolsonaro.
O Supremo lá está, espantado
com o avanço da insubordinação policial, com as reiteradas ofensas ao decoro do
cargo e o conflito entre os outros dois poderes. O amotinamento no Ceará, bem
como as ameaças em outros estados, decorre do endosso do bolsonarismo às
polícias. Bolsonaro criticou o senador Cid Gomes pelo uso da retroescavadeira,
mas alguém o ouviu criticar os policiais encapuzados? Já seus filhos se
solidarizaram: legítima defesa.
O governadores lá estão,
tratando de se juntar para resistir à ofensiva anti-federação de Bolsonaro.
Quem poderia imaginar João Dória defendendo o petista Camilo Santana, do Ceará?
E não fica no caso das polícias. O Fundeb, que financia a educação básica, está
parado no Congresso. O MEC lhes impõe políticas, como nova metodologia de
alfabetização, sem qualquer diálogo. Noves fora a tentativa de Bolsonaro de
lhes empurrar a conta pela alta dos preços dos combutíveis. Não haverá reforma
tributária contra os governadores.
A mídia deu um sonoro basta
em matérias e editoriais na quinta-feira. Globo, Estadão, Folha de São Paulo,
Istoé, todos descobrindo que Bolsonaro é uma ameaça à democracia.
Já o poder econômico vai
concluindo que Bolsonaro é uma ameaça a seus interesses. O agronegócio vai
perder muito dinheiro, por conta de tolices ideológicas, como confrontar os
árabes prometendo transferir a embaixada em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém.
Por conta também da política ambiental desastrosa, que transforma o Brasil em
vilão global do meio ambiente.
A turma do capital
financeiro já teme que, com tanta beligerância, não haverá reformas, nem ajuste
fiscal, nem crescimento, nem segurança para investidores. E todos sabem que
Bolsonaro não vai mudar, ele é o que é, e ninguém pode dizer que não sabia. Ele
veio para tumultuar, não para harmonizar.
Onde ele quer chegar? Talvez ao golpe, alegando que Congresso,
mídia, governadores, esquerdas e outros mais não o deixam governar. Mas os outros também podem se antecipar, se
enxergarem condições políticas, pois a jurídicas existem. A toda hora ela
comete um crime de responsabilidade por conduta.
Agora todos vão se calar
para que as baterias toquem. Mas tenho a impressão de que, após o carnaval, o
Brasil terá dobrado uma esquina.
Por: Tereza
Cruvinel, do Jornalistas pela Democracia.
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