Para compreender a
contradição dos dados e a avaliação de avanço e sucesso da Lei, é necessário
analisar sob a perspectiva de gênero. Já dizia a feminista brasileira Heleieth
Saffioti que a violência de gênero “não ocorre aleatoriamente, mas deriva de
uma organização social de gênero, que privilegia o masculino”.
A desigualdade de gênero é
histórica e engendra mecanismos de manutenção do poder, o que implica que não
terminará da noite pro dia, infelizmente.
Contudo, a luta por direitos
avança, constrói seus mecanismos legais fazendo com que, em alguma medida, essa
desigualdade seja questionada e modificada. Basta pensarmos, que hoje o Brasil
garante estruturalmente e por programas específicos de governo, mais autonomia
a suas mulheres, mulheres que estudam e que ocupam espaços de poder, o que nem
sempre foi assim.
A efetividade da lei caminha
a passos lentos, mas gera contextos mais amplos de análise da sua aplicação,
que conta com a preocupação e a proposição de pautas concretas, a exemplo do
enfrentamento ao feminicídio, uma realidade praticamente invisível antes da
Lei, mas absolutamente fundamental para se enfrentar de frente a violência
contra a mulher.
No Brasil as mulheres morrem
simplesmente por serem mulheres, e os feminicídios geralmente acontecem na
esfera doméstica, uma vez que em 68,8% dos atendimentos a mulheres vítimas de
violência a agressão aconteceu na residência da vítima, conforme indica o mapa
da violência de 2013.
Foi possível verificar que,
no país, 42,5% do total de agressões contra a mulher enquadram-se nessa
situação. Mais ainda, se tomarmos a faixa dos 20 aos 49 anos, acima de 65% das
agressões tiveram autoria do parceiro ou do ex.
Enfrentar essa situação está
na ordem do dia, e instrumento importante deste processo foi o trabalho da
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Congresso Nacional- CPMI instituída
para investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar
denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de
instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de
violência
O Relatório da CPMI elencou
várias necessidades de aperfeiçoamento da Lei. Dentre outras, já se encontram
prontas para o plenário da Câmara dos deputados a criação de um Fundo Nacional
de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (PL 7371/14);
A que torna crime de tortura
a violência doméstica (PL 6293/13);
A que determina que, em até
24 horas do encaminhamento da vítima a abrigo, a Justiça e o Ministério Público
devem ser comunicados para a análise imediata dos requisitos de prisão
preventiva do agressor (PL 6294/13);
E a que institui um
auxílio-transitório da Previdência para mulheres em risco social provocado por
violência doméstica e familiar (PL 6296/13). Todos esses processos precisam da
pressão popular para serem aprovados e o legislativo tem que prestar contas ás
brasileiras.
Juntamente com a criação dos
juizados especializados, as políticas públicas articuladas pela Rede de
Proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar, este conjunto de
medidas e projetos que precisam se concretizar em Leis efetivas, constituirão
em nosso país um verdadeiro sistema de enfrentamento á violência contra á mulher,
pois sabemos que em nosso país para que um direito seja garantido de verdade,
muitas vezes uma Lei só não é suficiente.
Nós mulheres estamos
vigilantes, não basta estar na Lei, tem que estar na vida. Nada disso faz
sentido se não houver diálogo concreto com a vida das mulheres, ampliando
radicalmente os mecanismos de prevenção da violência e reforço da autonomia das
mulheres, atribuindo mais responsabilidades para o Estado e menos para as
vítimas, enfrentando a impunidade com a devida garantia de direitos aos
agressores, eliminando a culpabilização da vítima, uma das facetas mais cruéis
da opressão machista.
Por um futuro sem violência
contra a mulher. Salve a Lei Maria da Penha cada vez mais presente na vida das
Mulheres!
(*) Ana Carolina Barbosa
trabalha na secretaria de Estado do Turismo do Rio Grande do Sul, é comunista,
advogada e dirigente do movimento feminista.
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