Ações afirmativas também são
fundamentais em sociedades multiculturais ou com intensos fluxos migratórios.
Sua premissa básica é promover igualdade de acesso a oportunidades. Suas ações propõem
o tratamento desigual aos desiguais para a construção de uma distribuição
equitativa de bens e oportunidades. São importantes mecanismos para a ampliação
da mobilidade social ascendente.
Elas permitem, ainda que de
forma reduzida, que os caminhos percorridos por indivíduos de determinados
grupos sejam frutos de sua escolha, e não de suas circunstâncias. Pois abarcam
a promoção dos direitos civis, a emancipação material e a valorização de
patrimônio cultural.
Diferenciam-se das ações
antidiscriminatórias. Estas são dispositivos para punir e coibir atos de
discriminação e para conscientizar e educar em relação ao tema da
discriminação. Já as ações afirmativas são medidas para favorecer os grupos que
sofrem discriminação.
O termo foi utilizado pela
primeira vez nos EUA, na década de 1960, referindo-se a políticas
governamentais voltadas para combater-se a desigualdade entre brancos e negros.
Suas linhas de atuação abrangem: a priorização no atendimento de serviços
públicos como educação e saúde; a proteção social e empregabilidade; o
reconhecimento legal de suas tradições culturais e o fomento à sua continuidade
e o combate ao preconceito sofrido por caminhos jurídicos, políticos e sociais.
Tipos de ações afirmativas
As ações afirmativas visam
minorar as distorções impostas pela desigualdade. São empreendidas,
principalmente, pelos governos, mas podem ocorrer também no ambiente
empresarial, por iniciativa de grupos da sociedade civil organizada e mesmo por
organizações multilaterais. Quanto ao modo de aplicação, também é variável,
pode ser centralizado ou descentralizado, voluntário ou determinado por lei.
A dimensão socioeconômica, que
abrange educação e renda, é a principal seara em que essas ações são
desenvolvidas. São exemplos de ações afirmativas políticas sociais: bolsas; auxílios;
reserva de vagas prioritárias em programas de habitação; creche; empréstimos; redistribuição
de terras; cotas em diversos níveis de ensino e em concursos públicos; estímulo
à contratação de indivíduos de grupos sociais discriminados; fundos de estímulo
e preferência em contratos públicos.
Além da dimensão material,
oportunizada principalmente pelo acesso à educação, ao emprego, à habitação e
aos meios de subsistência, as ações afirmativas englobam também a dimensão
simbólica e cultural por meio de políticas de proteção a estilos de vida de
povos tradicionais, como: povos indígenas; quilombolas; ciganos e ribeirinhos.
Outro exemplo é o
estabelecimento de metas mínimas de participação na imprensa, como em novelas,
propagandas e programas de TV, isso aumenta a representatividade de grupos que,
mesmo compondo grandes grupos populacionais, têm sido sistematicamente excluídos
de posições de visibilidade midiática.
Outro foco das ações
afirmativas é a dimensão política, posto que a sub-representação de
determinados grupos nas esferas de poder transforma-os em minorias políticas,
cujas demandas não são devidamente absorvidas nas casas legislativas e nos
cargos de decisão política e jurídico-administrativa.
Por isso, as leis e programas
que procuram ampliar a participação de pessoas oriundas de grupos com baixa
representação nos parlamentos, como verbas específicas destinadas a suas
candidaturas ou reserva de vagas no Legislativo, são também exemplos de ações
afirmativas.
Importância das ações
afirmativas
As ações afirmativas
desempenham importante papel no combate à desigualdade social e às segregações.
Elas permitem que pessoas de origens distintas alcancem espaços de influência
no âmbito educacional, político, econômico, socioprofissional e cultural. Não
se trata de concessão de benefícios ou privilégios, mas da efetivação de
direitos assegurados pela Constituição.
A princípio, pode parecer que
essas ações são vantajosas somente para os indivíduos que, por meio delas,
alcançam novos espaços. Todavia, as instituições e a sociedade também saem fortalecidas
desse processo.
Permitir que pessoas com
origens e vivências distintas participem da construção do conhecimento
acadêmico, da formulação e operação das leis, das funções de Estado, da
associação política, das diversas posições hierárquicas no mercado de trabalho,
significa construir o caminho para que o perfil demográfico da sociedade seja
representado em todas as suas atividades produtivas e decisórias e que essas
sejam consideradas legítimas perante a população como um todo.
A própria saúde do tecido
social depende dessa interconexão de pessoas participando de várias
instituições com suas visões de mundo produzindo um debate público comum. A
exclusão de determinados grupos, além da perniciosa desigualdade
socioeconômica, gera conflitos, violência, radicalismos e numa situação extrema
impede a pactuação de consensos mínimos que nos constituem enquanto sociedade,
tais como a democracia, a ciência, a cidadania, e os direitos civis básicos.
Ações afirmativas no Brasil
As cotas para pessoas com
deficiência no serviço público são consagradas pela Constituição de 88. A
Constituição Cidadã também assegura os direitos dos povos originários. Em 2007,
o Governo Federal instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável
dos Povos e Comunidades Tradicionais, que reconhece formalmente as
especificidades desses grupos e garante seus direitos territoriais e
socioeconômicos e a valorização de sua cultura.
A partir da década de 2000,
foram desenvolvidas ações afirmativas para a população negra, com a qual o
Brasil tem uma dívida histórica pelos quase quatro séculos de escravidão e por
não ter formulado políticas específicas para os ex-escravizados após a
abolição, relegando-os à pobreza e precariedade, principalmente nas grandes
cidades, o que prejudicou de forma crucial a eles e a sua descendência.
Dentre as ações afirmativas no
Brasil para a população negra, podemos citar:
o Estatuto da Igualdade Racial
a Lei de Cotas no Ensino
Superior
as Leis 10.639/03 e 11.645/08
Em 2014, a Lei 12.990
instituiu a reserva de 20% das vagas no serviço público federal para a
população negra.
A primeira universidade
brasileira a adotar o sistema de cotas para estudantes de escolas públicas foi
a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Inicialmente, a reserva de
vagas era de 50%. A partir de 2004, a divisão passou a ser:
20% das vagas para estudantes
de escolas públicas;
20% para quem se autodeclara
negro ou indígena;
5% para outras minorias
étnicas, pessoas com deficiência ou filhos de agentes públicos.
Assim, 45% das vagas da UERJ
são destinadas a indivíduos nessas condições desde que tenham baixa renda per
capita. A partir de 2012, com a Lei de Cotas, todas as universidades e
institutos federais reservam 50% de suas vagas a estudantes de escolas
públicas.
A Universidade Federal de
Goiás instituiu cotas sociais e raciais em 2008 com o programa UFGINCLUI.
A Universidade Federal de
Goiás instituiu cotas sociais e raciais em 2008 com o programa UFGINCLUI.
As ações afirmativas para
ampliar a participação feminina na política existem desde a década de 1990, mas
sem conseguir grandes resultados nas décadas seguintes. Em 2018, o STF garantiu
que 30% do fundo partidário sejam destinados a candidaturas femininas.
Em 2012, o Supremo Tribunal
Federal decidiu por unanimidade que as ações afirmativas são constitucionais e
de suma importância na correção das desigualdades. O Estado brasileiro tem
avançado nessa pauta, ainda que haja muito por fazer.
Por outro lado, as grandes
empresas brasileiras têm deixado a desejar. Segundo pesquisa realizada, em
2016, pelo Instituto Ethos e apoiada pela ONU e OIT, as grandes empresas
brasileiras não desenvolvem ações para promover a igualdade de oportunidades
entre homens e mulheres e entre brancos e negros. Quando o fazem, são ações
pontuais, sem planos e metas de médio e longo prazo.